A Regulação das Plataformas II
Uma abordagem analógica e linear para um problema digital e exponencial | De intermediários a publishers | A inversão do ônus da prova | Algo de bastidor | Editoriais
[Antes.] Atordoados pela percepção de que fomos ultrapassados pelo algoritmo, sugerimos confiar boa parte da tarefa de coibir práticas e ações odiosas e repulsivas ao… algoritmo.
[Sequência.]
É uma abordagem analógica e linear para um problema digital e exponencial. Estratégia que revela, pelo menos, algum nível de entendimento da humana inaptidão (até agora, ou do terreno desinteresse) em lidar com a potência de uma rede apta a conectar, horizontal e literalmente, toda a humanidade. Não “apenas” a internet. A partir da internet, os monopólios outra vez constituídos.
Uma concentrada dispersão em que a capacidade de reverberar e o possível impacto resultam de uma dinâmica interna e exclusiva. Não necessariamente positiva, nem essencialmente negativa. Tardamos, entretanto, a refletir sobre quem (ou qual) é o responsável final pelo alcance do que lá se publica. Sites e aplicativos de comunicação instantânea e irrestrita, audiovisual, cuja natureza não tardou a indicar que passavam de intermediários a publishers.
Assustados com a proeminência alcançada pelas plataformas (conquista do pecuniário lobby digital, “derrota” da analógica e conveniente negligência político-midiática), quer-se agora reverter o truque e colocar o coelho de volta na cartola. Faz-se já o mesmo com a inteligência artificial; pelo menos, não foi tanta a lentidão na (isenta?) percepção de eventual perda de controle.
Não haverá passe de mágica que reordene o picadeiro. Diante do ininterrupto lucro a conta-gotas com o impulsionamento de publicações e a venda de anúncios, a crença em uma autorregulação das plataformas é entregar à raposa a guarda do galinheiro. Sem esquecer da rentabilidade indireta e não publicamente mensurável do engajamento, tão famigerado e tão buscado.
Ah, tudo se resolverá com relatórios periódicos sobre o funcionamento dos sistemas algorítmicos de recomendação e moderação? Se não obtusidade ou má-fé, crer na eficácia de tal exigência é a evidência cabal de que não se tem ideia daquilo com que — e talvez daqueles com quem — estamos lidando. Nós, quem? Pois é. Antigamente, dizia-se sociedade. Mas e o “dever de cuidado”? Foi por falta de cuidado que chegamos até aqui.
Irresponsabilidade por irresponsabilidade, há quem defenda o banimento compulsório de publicações “semelhantes” àquelas já avaliadas como ilegais. Isso, claro, seria atribuição das plataformas. “Basta preparar um programa.”
Por outro lado, fazer das big techs corresponsáveis por conteúdo pago pode ser algo interessante. Haja judiciário, porém, para estabelecer a medida da responsabilidade civil e da responsabilidade criminal que, na ocorrência de ato ilícito, plataforma e usuário (respectivamente?) compartilharão. Com esse precedente estabelecido, por que não haveria corresponsabilidade em casos de “postagens” gratuitas e de impulsionamento algorítmico automático?
Imersos, e não de repente, numa confusão entre liberdade e responsabilidade, parece que vamos nos aproximando de dúbio consenso acerca de outorgar às big techs o direito e o dever de editar conteúdo não antes de uma publicação, mas depois. Não apenas editar: vetar. Empresas privadas, cujos serviços e produtos são descritos por certos comentaristas como a “esfera pública” do século XXI, e sendo enaltecidas e criticadas por isso, estariam afinal legitimadas como publishers invertidos, e com a chancela do Estado.
Inversão por inversão, nessa internet de plataformas e aplicativos, seria o estabelecimento institucional da não possibilidade de uma expressão independente e incondicionada. “Cabe, inclusive, a inversão do ônus da prova.”
[Segue.]
Algo de bastidor
O debate sobre as ditas fake news faz lembrar aquele dito que, se for verdade, dizia assim: “a verdade é uma mentira que aconteceu”.
| Leia | Ouça | Veja |
“É sobre isso o debate em torno da Lei das Fake News. O Estado, como se tornou comum por aqui, resolveu regular a discussão. E o fez à moda brasileira: empresas de comunicação, com óbvios interesses no projeto, podem fazer editoriais e emitir sua opinião favorável ao projeto. Empresas com visão contrária, negativo. São intimadas a depor, a retirar sua opinião, e se tornam “suspeitas” de uma penca de crimes. Não deixa de ser didático. Nos ajuda a pensar um pouco sobre o que está em jogo.” Fernando Schüler | Veja
“Não estou dizendo que plataformas não manipulem, se puderem, como não dei imunidade a livros, impressos, televisão, ao rádio ou ao cinema. Mas o fato é que, como em todo episódio de ‘media blaming’, os apocalípticos se movem com base em fantasias e previsão de danos, não em uma avaliação realista da inovação. Por isso generalizam efeitos negativos e ocultam os positivos, que são a verdadeira razão da sua adoção, subestimam a capacidade dos outros cidadãos de lidarem criticamente com os novos meios e, finalmente, negociam muito mal com o mundo, que, como se sabe, não costuma voltar atrás.” Wilson Gomes | Folha
“The New York Times vai receber US$ 100 milhões do Google durante três anos. … o acordo inclui a participação do NYT no Google News Showcase, um produto que paga aos editores para apresentar seu conteúdo no Google News, e algumas outras plataformas.” | O Globo
“PT notifica Google por associação entre Lula e ‘corrupção’ em busca por ‘coroação’. Partido pediu explicações à ferramenta por sugestão ‘você quis dizer Lula corrupção?’ ao internautas pesquisarem ‘Lula coroação’. | O Globo
“A divulgação das imagens da invasão do palácio presidencial transformou o bônus em ônus.” Marcus André Melo | Folha
“Como dizia ontem [19/04] uma experimentada raposa brasiliense, a sorte de Lula é ter um vice leal.” Maria Cristina Fernandes | Valor
“A questão para a PF é separar a incompetência — a falha de quem devia proteger o prédio e não o fez — da omissão de quem, sendo do GSI ou da PM do DF, assumia os mesmos desígnios dos atacantes.” Marcelo Godoy | Estadão
“A gestão petista queria manter em sigilo por cinco anos as cenas captadas pelo sistema de segurança do prédio. … O processo, no entanto, foi feito às pressas e continha um erro. O termo incluiu a proteção somente às imagens gravadas a partir de fevereiro, o que deixaria as gravações de 8 de janeiro como de acesso público.” | Estadão
“O presidente Lula é ingênuo ou megalomaníaco?” Merval Pereira | O Globo
“Letônia doa carros de bêbados para a Ucrânia. Já foram 1.200 veículos até agora.” | DW Brasil
“Hoje, aliás, o Brasil, graças à loquacidade irresponsável de Lula, é cada vez mais visto como não confiável, por sua aparente simpatia por russos e chineses.” | Estadão
“Dono do Grupo Wagner defende fim da guerra na Ucrânia. Na mensagem de 3.329 palavras, Prigozhin se manifestou contra qualquer negociação que significasse que a Rússia deveria devolver os territórios ocupados na Ucrânia.” | DW Brasil
“Lula prefere invocar a palavra ‘paz’ para alinhar o Brasil à Rússia e dar um banho de loja em Putin. Os aliados e admiradores do presidente brasileiro permanecem silenciosos. O que eles diriam se fosse Bolsonaro o responsável pela cumplicidade do Brasil com o autor de crimes contra a humanidade?” Demétrio Magnoli | Folha
“Poucas semanas depois que publiquei meu artigo “Como os Estados Unidos destruíram os gasodutos Nord Stream” no qual expliquei que Joe Biden ordenara a destruição dos gasodutos Nord Stream, a agência elaborou uma história que interessou ao New York Times e a duas importantes publicações alemãs.” Seymour Hersh | Terapia Política
“Existe o risco de que Lula, com sua ambição de atuar como porta-voz do Sul Global, consiga prejudicar de forma duradoura as relações do Brasil com a Europa e com os Estados Unidos. Mas também a Rússia, a China e a Índia só vão dar ouvidos a Lula se ele for bem-sucedido na América do Sul e conseguir fortalecer o Brasil depois de uma longa estagnação.” Alexander Busch | DW Brasil
“Em Brasília planejou-se tudo, menos um lugar para o pessoal do andar de baixo.” Elio Gaspari | Folha
“Poucos governos tiveram laços tão estreitos com os sauditas e com os emirados como o governo Bolsonaro. Chega a ser surpreendente que tenha tropeçado nas caixas de joias.” Elio Gaspari | O Globo
“Os americanos estão preocupados. Quase 80% deles responderam aos pesquisadores que seus filhos estarão em piores condições do que eles estão, o maior registro desde o início da pesquisa, em 1990, quando apenas cerca de 40% estavam tão pessimistas.” | The Economist/Estadão
“Dois juristas dizem finalmente o que ninguém disse a Alexandre de Moraes. … Moraes testa limites, não encontra obstáculos e segue em frente.” Thaís Oyama | UOL
“O STF age como força supraconstitucional, tribunal penal com jurisdição ordinária e dotado de poder de reescrever a Constituição Federal ao ‘interpretá-la’. O Legislativo não defende suas prerrogativas, chancelando essa usurpação. O Executivo submete-se à tutela judiciária e não dialoga com o Legislativo. O sistema de pesos e contrapesos não funciona. Temos, então, uma bagunça institucional. … Tão espantoso e absurdo quanto os fatos aqui descritos — e são só uma amostra das ilegalidades vigentes — é a naturalidade (ou indiferença) com que são recebidos pelas entidades da sociedade civil e pela mídia. Tudo parece transcorrer na mais absoluta normalidade. E, quando o absurdo parece normal, todos corremos risco.” Reginaldo de Castro | Poder360
Do
“Em dezembro, fiz a previsão que 2023 seria o ano em que a mídia iria começar a se divorciar do Twitter. … Quase quatro meses depois [04/04], essa previsão parece cada vez menos acertada.”
Na série “Sonoras Que Condensam a Vida”
“É fundamental que o Congresso consiga prover um novo marco jurídico para as plataformas digitais. Mas eventuais dificuldades na tramitação do PL 2.630/2020 não são pretexto para que o Judiciário se torne órgão legislador, vendo inconstitucionalidade onde nunca houve. No Estado Democrático de Direito, a política e a cidadania não precisam da tutela de juízes.”
Estadão, em editorial sobre a regulação das plataformas; início de maio, por aí
A Artilharia Musical
Não pede música, faz
“Não quero advogado, quero regime fechado.”
Simone & Simaria; Regime Fechado
Last but not least
O chato do Português
“Há amplas evidências, anedóticas e científicas, de que as redes contribuem para a deterioração mental de adolescentes e para a polarização política. Não que sejam como veneno de rato, sempre tóxicas. São mais como o álcool: consumido com temperança, dá sabor à vida. Em excesso, é destrutivo para si e os outros.”
Estadão, em editorial sobre a regulação das plataformas; final de abril, por aí