Repercutiu pouco por aqui, menos do que deveria. O caso envolvendo Joe Rogan, Spotify e Neil Young. Ou, mais precisamente, a música deste, o podcast daquele — tudo acessível via Spotify.
Agora, nem tudo mais.
Com probabilidade de que muitos lhe identifiquem a face sem lhe saber o nome, Joe Rogan é figura conhecida dos brasileiros por sua atuação como entrevistador pós-lutas do UFC.
Há mais de dez anos, contudo, ele mantém presença online, via streaming, em formato que acabou por se consolidar, salvo engano, como um programa de entrevistas — se não se encerrar, ou for encerrado, logo chegará a dois mil episódios.
Tudo ia bem até meados de 2020, e pareceu melhorar, quando Rogan firmou um contrato (retroativo) de exclusividade: grana alta, e The Joe Rogan Experience, a partir de então, só no Spotify (ainda há clipes no YouTube).
A trocação começou depois de Neil Young, rock star das antigas, anunciar que retiraria suas músicas do Spotify se controversas assertivas sobre a pandemia permanecessem disponíveis, como a defesa de tratamentos sem eficácia comprovada — coisas tais como as ditas por Rogan.
Entre esquivas do Spotify e desculpas de Joe Rogan, Neil Young manteve a posição, mais artistas o fizeram, o caso subiu de categoria e virou manchete mundial.
No que não parece ser ainda o fim da história, cerca de cem episódios do podcast foram retirados do ar pelo Spotify — e Joe Rogan recebeu nova oferta milionária de outra plataforma, com garantia de plena autonomia, para levar o programa para lá.
Apesar dos diversos elementos do causo e dos múltiplos personagens envolvidos, a essência da questão parece, afinal, simples — e sequer novidade é: de quem é a responsabilidade final pela publicação daquilo que se publica nas plataformas digitais.
A aparente redundância se explica: ao contrário da media tradicional, as plataformas digitais não detêm controle sobre a produção do conteúdo que vai nelas veiculado. Particularidade imensamente relevante, e que ganha musculatura com a exclusividade de veiculação de Rogan pelo Spotify — que pagou alto por isso.
Reiterado argumento, é como se o Spotify passasse de mero intermediário do streaming a genuíno publisher de Rogan — ainda que sem acompanhamento editorial. Aferir o que publicam, pois são responsáveis por isso, é o que fazem jornais, rádios e televisões, também online. Nas plataformas, isso só acontece — quando acontece — após a publicação.
Longe de haver solução definida, um aspecto sobressai com força de nocaute de tal dilema ético-legal-tecnológico: para além da consciência dos que as utilizam, as plataformas digitais tornaram possível o afloramento de uma diversidade de conteúdo e de opinião como nunca antes — mas reunida em meia dúzia de endereços virtuais.
Antigamente, sem pudores, isso seria chamado de monopólio. Atualmente, com demora, a ficha está começando a cair (e a Meta, ex-Facebook, já começa a bradar).
Enquanto não se encontra uma maneira de organizar essa concentrada dispersão (“regular” é palavra tornada perigosa, ainda mais em terras brasucas), traz alvissareira expectativa a reação, por parte do que ainda temos de coletividade, ao cruzamento de longo alcance de certos limites do senso comum: não estamos ainda num vale-tudo.
Algo de bastidor
No Brasil, o devido rechaço à fala do rapaz que apresentava o Flow Podcast bem demonstra que, apesar do aparente desaparecimento de uma noção de conjunto, nem tudo se terá perdido. Na esteira desse caso, a também devida repulsa ao gesto do ex-BBB comentarista da Jovem Pan reforça a permanência de alguma razoabilidade entre nós. A capacidade de reverberar, o possível impacto — é isso que requer atenção e atribuição de responsabilidades. No que tange ao Rogan, a tendência é de que seja paulatinamente conduzido de volta à margem daquilo que, em outros tempos, era referido como opinião pública (ainda que leve consigo parte de sua expressiva audiência). Em notas nem tão mais leves, no bom sentido, poucas e boas do Neil Young ainda reverberam via Spotify, em singles, coletâneas e… a trilha de Comer Rezar Amar.
L.O.V. Leia Ouça Veja
Dúvida sobre o que pensar e sobre qual sua (sim, a sua) responsabilidade em relação a tudo isso (no geral) e ao Spotify (em particular)? Algumas ponderações a respeito:
“Curation, Not Censorship” (Bob Lefsetz, The Lefsetz Letter).
“Why Can’t Spotify Edit Joe Rogan?” (Elizabeth Spiers, Medium).
“Cancela. Surfa no Tidal, que tem ficha técnica apuradíssima para cada música. Experimenta o áudio espacial da Apple Music. Explora o catálogo do Deezer. Fuça o YouTube Music, amor” (Dora Guerra, via Popload).
“Why Spotify picked Joe Rogan over Neil Young in its misinformation fight” (L.A. Times).
Playlist Condizente 06 22
Heart of Gold — Neil Young
“A miner for a heart of gold”
North and South of the River — U2
“Some connections are not worth making”
Pro Dia Nascer Feliz — Barão Vermelho
“Uma hora aqui, a outra ali”
Você Não Soube Me Amar — Blitz
“De repente, a gente enlouqueceu”
Vale Tudo — Tim Maia
“Vale o que vier, vale o que quiser”
Na série “Sonoras que Condensam a Vida”
“Mas não se desespere: todo homem pode se salvar, na condição de que erradique de si mesmo a ilusão da individualidade.”
Liev Tolstói, O Karma; 1894, por aí (Contos Completos, vol. 3; trad. Rubens Figueiredo; Cosac Naify)
Last but not least
O chato do Português
“Que fruta é utilizada como a cereja do bolo?”
Programa do Ratinho; final de janeiro, por aí