Destilado 40 21: algoritmo, offshore e compadrio
Três causos a revelar bastante deste mundão interneteiro
Como sói acontecer, as reações às três grandes revelações da semana revelam mais que as próprias revelações.
Não será por isso, contudo, irrelevante aquilo que revelam.
Mesmo que todas — revelações e reações — sejam, em essência, há muito conhecidas.
1.
É até agora tumular o silêncio acerca da revelação de que Michelle Bolsonaro acionou a Caixa Econômica Federal para agilizar empréstimos a empresas e pessoas indicadas por ela.
Entre os que cortaram caminho, uma confeiteira, uma cabeleireira e um florista próximos à primeira-dama, que teria falado a respeito diretamente com o presidente do banco, Pedro Guimarães.
A reação? Nenhuma. Nem mesmo das partes envolvidas, que — simplesmente — não comentaram.
Afinal, qual o problema em dar uma forcinha para uns conhecidos, ainda mais com tudo assim, tão à mão?
Levante a mão quem nunca viu isso de perto, talvez achando que tudo bem.
Ou, quem sabe, esperando a vez.
2.
O ministro da Economia, Paulo Guedes, mantém recursos em contas bancárias no exterior — e que viabilizam mais rentabilidade e menos impostos.
O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, também.
(Ambos, pelo que se ouve, possuem trajetória prévia no mercado financeiro.)
Desde que declarada, a prática não é tida como irregular. Com a exigência complementar de que ocupantes de cargos públicos, uma vez em tais cargos, não tenham ingerência sobre tais recursos — precisamente o que alegam os citados.
Ainda assim, decisões deles no comando da economia podem ter gerado conflito de interesse.
A reação, além das fugazes e habituais manifestações de ultraje?
No Senado, está previsto que Guedes e Campos Neto sejam ouvidos no dia 19 de outubro, data sugerida por eles, em sessão conjunta de duas comissões.
Duas semanas e meia depois do caso vir à tona, portanto.
E como convidados, não convocados.
Já na Câmara, duas comissões haviam aprovado a convocação de Paulo Guedes, mas sem definir data para a audiência do ministro.
Tudo isso, contudo, pode mudar.
Pois os deputados em seguida resolveram que era preciso convocar Paulo Guedes para o Plenário da Câmara.
A data? Ficou em aberto.
(E o caso já desaparece das manchetes.)
3.
É ainda novidade para alguém que os tais algoritmos das tais redes sociais buscam manter o vivente em frente ao aparelho, na plataforma em que estiver, pelo maior tempo possível? E que conteúdos centrados na emocionalidade (política, sentimental, não importa) são bastante mais eficientes para isso? E que isso pode fazer mal à saúde das pessoas e prejudicar o debate político, abalando a tão vilipendiada democracia e a tão bem-intencionada sociedade ocidental?
Pois é. E o Facebook possui 2,8 bilhões de usuários — sim, quase três bilhões de pessoas. Possivelmente, nem todas honestos cidadãos de coração puro.
Antes de sair da empresa, uma ex-funcionária resolveu recolher evidências de que, mesmo ciente de tais consequências, o Facebook turbinava — e turbina — os algoritmos exatamente na direção de mais e mais engajamento.
Mais tempo do usuário na plataforma, mais lucro para a plataforma.
Depois de sair da empresa, ela colocou a boca no trombone. Primeiro, anonimamente. E, na sequência, em entrevista na televisão.
Foi ouvida no Senado americano dois dias depois.
Algo de bastidor
Uma possível conexão entre os três casos, além da diferença nas reações? Os documentos eletrônicos embasando as revelações e, tecnicamente falando, a facilidade de acesso e de transmissão deles.
No que tange ao Facebook, as reações da empresa também parecem revelar mais que a própria revelação. A melhor de todas, claro, é o Zuckerberg quase que pedindo ao Congresso americano: regulem-me!
Um trechinho: “We're committed to doing the best work we can, but at some level the right body to assess tradeoffs between social equities is our democratically elected Congress.”
Playlist Condizente 40 21
Ouro de Tolo — Raul Seixas
“Eu devia estar feliz porque consegui comprar um Corcel 73.”
A Culpa É de Quem — Planet Hemp
“Eles pegam a palmatória e você estende a mão.”
Toda Forma de Amor — Lulu Santos
“Nem vou sobrar de vítima das circunstâncias.”
Teletransporte N.º 4 — Nei Lisboa
Clássico imemorial, teletransportado para cá direto do Trombohne 39 21.
L.O.V. Leia Ouça Veja
Semana passada, falava-se aqui sobre o Facebook se manter no jogo. Para este camarada do NY Times, é questão de tempo — não só para deixar de ser o dono da bola, como para sair de campo (e sem fair play).
Mas há ainda muita bola para rolar, como bem demonstra, apesar de eventuais idiossincrasias, o já conhecido (espera-se) The Social Dilemma. E se cada um de nós recebesse uma definição diferente para coisas que são iguais? Não é preciso mais que essa pergunta para se ter uma ideia da dimensão do problema.
Edward Snowden, sim, aquele, que também colocou a boca no trombone, parte desta “construção recursiva da realidade” e deste mundo talhado à parte para cada indivíduo — para ressaltar, em visão otimista, a diferença entre quem busca melhorar as coisas e quem se vê como “uma vítima das instituições”.
Neste artigo, não dá bem para saber até que ponto o camarada fala sério (ou se há outra intenção em jogo, como poderia indicar a afirmação final). Mas o título é bom (“Give Amazon and Facebook a Seat at the UN”), e os comparativos também: o valor de mercado da Microsoft, por exemplo, é maior que o PIB do Brasil.
Na série “Sonoras que Condensam a Vida”
“E agora eu me pergunto: e daí?”
Raul Seixas, Ouro de Tolo, 1973
Last but not least…
O chato do Português
“Today: 2 yrs without accepting interviews (except one)”.
Paulo Coelho, sem exceção