Qualquer coisa que se diga será inferior, em relevância e intensidade, ao que agora experimentam os que sobre aquele solo do leste vivem. Não só geograficamente, leste a se aproximar do Ocidente como ainda o conhecemos, talvez não mais.
Envoltos pela invisível cortina de fumaça de nosso inquestionável futuro, ao qual chegaremos com motores elétricos, energias limpas e corações puros, sequer compreendemos movimentos oriundos do indelével passado de uma cortina de ferro.
Não é questão de classificar a ação, há já quem isso faça — entre os líderes de quem hoje tal se espera, talvez mais por pressão do que por pendor.
É questão da diferença entre antever uma triste possibilidade e a tristeza diante do confirmar dessa possibilidade. Ao som de um helicóptero qualquer aqui, a lembrar de por que voam os helicópteros lá, perde sentido o prévio intuir de que isso era possível.
Em tempo, outra vez impressionam as redes, com a miríade de comentários a falar como se de um infantil jogo eletrônico ou de tabuleiro falassem. Houve quem dissesse serem aprendizes, perto do líder russo, seus correspondentes ocidentais.
Não são os únicos.
O supostamente mais importante deles, ao que parece, faz mais via Twitter do que com os meios de que dispõe no posto que ocupa. Quiçá melhor assim, deve haver em seu entorno quem sabiamente lhe dilua o poder, inapto para tanto que demonstra ser.
Inconstância de decisões partilhada pelas próprias redes. Sem que se vasculhe, emerge a notícia do bloqueio de contas (perfis) a divulgar imagens da invasão russa. Mais uma fake news de que nos tenta salvar o algoritmo… mas que era outra vez real news.
Impasse sem solução à vista, são as plataformas atuando como publishers invertidos, editando conteúdo depois, não antes da publicação — editando, não; vetando.
Quando esteve no Congresso Nacional para explicar valores familiarmente mantidos em uma offshore, o ministro da Economia, Paulo Guedes, ao negar ter trabalhado para Augusto Pinochet, entre outras coisas, disse:
“Tinha um regime militar no Chile e tinha um regime militar no Brasil. Entre aspas, duas ditaduras.”
A frase não foi bloqueada pelo Twitter. O impulso patrocinado, sim.
Quando esteve na ONU, incerta sátira imaginou uma epifania de Bolsonaro durante o voo para os Estados Unidos. A fictícia peça narrava o momento em que o dito mito determinava alterar integralmente o discurso que faria em Nova York:
“Tá tudo errado, isso aí. A imprensa está certa. Troca tudo.”
O artigo não foi bloqueado pelo Twitter. O impulso patrocinado, sim.
De repente, melífluas fronteiras, também entre o falso e o verdadeiro. Nem tão de repente. Qual o discurso a ser combatido? Mais que qualquer discurso, as ações que enseja. Muito mais que as virtuais, as atuais, imediatas — às vezes, instantâneas.
Um corte no fornecimento de energia, nos cabos subterrâneos, um bombardeio — e resta inacessível toda essa internet. Desaparece. A realidade, total, essa permanece.
Viria como e de onde a informação.
Do geral de uma histórica conjuntura ao particular de cada existência presente, dinâmica essencial e única que até o fim resiste, porque avança, a atenção com o todo volta a se manifestar.
Sob o ocre de um céu que amanhece perto e distante, acima de todos nós, mescla de um enferrujado — mas vivo — senso coletivo, ardem na alma conjunta da humanidade a marca e a lembrança de que oriente e ocidente são, afinal, perspectivas.
Algo de bastidor
Que seja o mais breve possível.
L.O.V. Leia Ouça Veja
“Why Putin Went to War” (Joe Lauria, Consortium News).
“What the West doesn't understand about Russia or Ukraine” (Alexander Nazaryan, Yahoo News).
“Putin invadiu a Ucrânia, mas fará o que com o país?” (Humberto Saccomandi, Valor).
Playlist Condizente — The Ochre Mix — 2208
Tá Tudo Mudando — Baia
“Só um tolo ia achar que não há o que dizer.”
Jokerman — Bob Dylan
“But with truth so far off, what good will it do?”
Um Dia Você Vai Servir a Alguém — Vitor Ramil, Lenine
“E você pode mesmo nem saber.”
Perspectiva — Jorge Mautner, Nelson Jacobina
“De quem gosta das coisas sem querer prendê-las.”
The Day After the Revolution — Pulp
“Oh, sorry, you haven’t heard?”
Na série “Sonoras que Condensam a Vida”
“O único consolo é o fato de que o Ocidente, os EUA, a OTAN, a UE, a aliança transatlântica que parecera mais apática, que parecera mais irrelevante e sem sentido ao longo das últimas duas décadas, agora reconhece uma imensa prioridade em sua missão, seu valor, seu alinhamento. E, nesse sentido, é necessário uma crise, e uma crise é o que agora temos.”
Ian Bremmer, Eurasia Group e GZERO Media; fevereiro, por aí
Last but not least
O chato do Português
“O que vocês pensam sobre a legalização dos jogos de azar? É um tema que tramita a mais de 30 anos na câmara e deve ser votado hoje.”
André Janones, deputado federal e pré-candidato à Presidência; fevereiro, por aí