Destilado 38 21: Bolsonaro invertido
Imagine-se que, por inesperado desígnio, o dito mito mudasse o discurso
Depois que Trump deixou a presidência dos EUA, correu a informação de que a audiência das redes opostas a ele caiu muito.
De fato, ficou menos atrativo o noticiário.
Difícil saber se por falta de assunto quente, como se diz, ou por não haver mais contra o que se insurgir.
Às vezes, parece que vamos — ou iremos — aqui pelo mesmo caminho. Pelo menos, no que tange à surpresa com que são retratados os atos e as falas de Bolsonaro.
Como se não fossem — sem o dispensável juízo de valor — há muito conhecidos.
Imagine-se então que, por algum inesperado desígnio, Bolsonaro mudasse o discurso na ONU.
Teria, digamos, resolvido fazê-lo durante o voo do Brasil aos EUA, alçado aos céus que estava.
Chama o redator e, rosto enlevado, diz apenas:
“Troca tudo.”
“Como assim, presidente?”
“Tá tudo errado, isso aí. A imprensa está certa. Troca tudo.”
“Desculpe, presidente. O senhor quer fazer alguma mudança?”
“Não me chama de senhor. Tá difícil de entender? É só inverter, talkei? Colocar tudo ao contrário.”
“Mas presidente...”
“Pô... Qual daqueles quatro tá aí comigo? Chama o 02, o 03, não importa.”
“Eles foram carregar o celular, presidente.”
“Pô... Então, vai você mesmo. Troca tudo. A imprensa está certa no tocante a isso aí.”
“Desculpe, presidente...”
“Tu é fresco, pô? Para de pedir de desculpa.”
“Mas certa no tocante a quê, presidente?”
“Tudo, pô. Tudo! Eu estava errado. Tratamento precoce, vacina, máscara, desmatamento, queimada, comunismo, tudo. Acabei de me dar conta.”
“Está bem, presidente.”
“Está bem, nada. Só falei merda até agora.”
“Vai ser rápido, presidente.”
“Sim, curto é melhor. Não esquece de colocar um abraço para o STF no final. E um agradecimento para o Olavo de Carvalho.”
“Não vai demorar, presidente.”
“Não vai, pra você. Tem mais um ano de mandato ainda.”
A coisa está tão puxada que é preciso dizer: isso aqui está longe de ser desagravo a Bolsonaro, inapto para o cargo que é.
Mas parece, cada vez mais, que o retratam como apartado da nação da qual, ao fim e ao cabo, é o presidente eleito.
Será que nada do que Bolsonaro vocaliza — nada —não ecoa valores e sentimentos vivos no Brasil, por contraposição a outros que seja?
Por esse prisma, perde em surpresa o discurso na ONU.
Para ganhar em enfado e desesperança.
Porque isso dificilmente acabará em pizza, menos ainda na calçada.
Algo de bastidor
E “invertido”, quem diria, pode ser hoje uma palavra perigosa. Melhor deixar Jorge Amado para lá. E vamos em frente.
Playlist Condizente 38 21
Fun Tonight — Lady Gaga, Pabllo Vittar Remix
Uma voz que vocaliza o Brasil.
Lambada — Kaoma
Uma voz que vocalizava o Brasil.
Girl From Rio — Anitta
A voz que mais vocaliza o Brasil.
Girl From Ipanema — Tom Jobim, Frank Sinatra
A voz que mais vocalizava o Brasil.
L.O.V. Leia Ouça Veja
Bom artigo sobre quem vocaliza estar do lado certo da história.
O pato que aprendeu a vocalizar. Faz lembrar, sabe-se lá por quê, o pato da Fiesp. Talvez porque a Fiesp ensaiou vocalizar, mas não vocalizou.
O camarada se machuca jogando bola no time da firma — e vocaliza acidente de trabalho (sem noção, com paywall).
E um resumo do que Bolsonaro vocalizou na ONU.
Na série “Sonoras que Condensam a Vida”
“A verdade é uma mentira que aconteceu.”
Luis Fernando Verissimo, O Analista de Bagé
Last but not least…
O chato do Português
“Venho aqui mostrar o Brasil diferente daquilo publicado em jornais ou visto em televisões. O Brasil mudou, e muito, depois que assumimos o governo em janeiro de 2019. Estamos há 2 anos e 8 meses sem qualquer caso concreto de corrupção.”
Presidente Jair Bolsonaro, Discurso na 76ª Assembleia Geral da ONU, 21/09/2021