Questão de Bom Senso
O fato de ser Gerald Thomas | Nada disso é teatro | Mais próximos de Geraldo | Regimento interno | Sigilo da fonte | Caber ou censurar | O chato do Português
Que algo não está certo, novidade não é. Mas há certeza de que algo não está certo quando Gerald Thomas — sim, Gerald Thomas, e de mochila nas costas, de saída — escreve na rede social: “Sem dinheiro não dá. Não se vive de ar.”
Sim, a fotografia passa longe da pueril estética instagramável (bem, só o fato de ser Gerald Thomas ali já bastaria para isso). Sim, a imagem pode ser performativa (bem, Gerald Thomas é praticamente um instagrammer).
Não é a primeira vez que grana curta é objeto de relato por Gerald Thomas. De novo, Gerald Thomas. De saída, para onde? Pelo que escreveu, poderia-se depreender destino. Não se vive de ar. Gerald Thomas. Sem dinheiro. Não dá.
Não é, claro, o único indício. De quê? De algo errado. Bem mais que indício. É a excentricidade da coisa toda que mereceria alarde. Alerta. Admire-se ou não Gerald Thomas. Cultura. Pensamento. Vanguarda. Liberdade. Vida. Arte.
Bem, faz tempo que essas coisas estão de saída. Viraram, afinal, coisas. Que coisas irão na mochila de Gerald Thomas. Há uma outra bolsa. O gelo e a neve remetem a algo outro… A calçada, inteira, liberada. Diferente.
Nada mais nos surpreende. Bom seria se a impassibilidade fosse vigor, força para ir adiante. Não abatimento. Mas não. Parece ter virado torpor. Já foi dito. A estupefação é tão grande que vem a conta-gotas. Nem revolta.
Bem, alguns se revoltam, entorpecidos por delírio salvador. Cívico, democrático. Na visão deles. De outro jeito, mais organizados, do outro lado também. Que coisa. As inversões argumentativas. A maioria? Perdeu o sentido.
Aplaudimos o óbvio como se redenção fosse. A emoção onde deveria haver apenas institucionalidade. E nada mais. A pessoalidade fora de lugar. Restam deslocadas as vozes que apontam o fatiamento da nação. Sim, somos nação.
Ou fomos. De nosso jeito, patrimonialista e burocrático. Mas algo havia. Ou parecia haver. Terá se perdido em definitivo? Festejamos a narrativa, a nossa. Condenamos a deles, e vice-versa. Apontamos nos outros aquilo que fazemos.
Não é possível que estejamos conscientes disso, e ainda assim o façamos. Ou é ideologia, pura e simples. Será, e pronto? Olha ali, olha só, que ameaça comunista, que acinte antidemocrático. Ou é o soldo que deve estar ganho.
Para pensar o que pensamos. Sem pensar. Bem, alguns acreditam de verdade. Tudo é sabido, não nos impactamos com nada. Na contradição de uma época, mais uma, o vitimismo impera. Grau supremo, excelência no compadrio?
Se pensamento é ação, a mentalidade de figuras institucionais que parecem se considerar maiores que as instituições que representam. Creem-se vítimas das circunstâncias. Apartadas do país por mérito próprio, balançam.
Inegociáveis termos. Em negociação de sólida democracia. Solidez a requerer contínua reafirmação não negociada. Ah, as narrativas alternativas. Nem querem pensar quando a pancada vem. Se esquecem, nada disso é teatro.
Uma performatividade de outra natureza. Diria-se que a confusão advém de todos se considerarem com razão. Há meios para se sustentar qualquer coisa atualmente. Como perspectiva de futuro, não seria desagradável. Não dá.
Todos a viver de acordo com sua própria razão. Não é sequer uma nova perspectiva. Depois de algum momento de vanguarda dessa ideia, houve até uma propaganda assim. Outros recentes tempos. Mais ou menos livres.
“Cada um na sua. Mas com alguma coisa em comum.” O nome do artigo então anunciado? “Free”. Uma marca de cigarros. O que parece ter ficado para trás? A parte de haver “alguma coisa em comum”. Questão de enevoado bom senso.
Confusão ou não, é difícil imaginar que não haja uma noção coletiva de que nos encaminhamos, livremente, para não haver coisa alguma em comum. A ponto de alegorias terem se tornado necessárias para se dizer certas coisas.
É isso, ou a disposição para o conflito inútil — pois entre semelhantes e sem vislumbre de resolução. Passamos a entender “cada um na sua” como repulsa, óbvio, a todos que não estejam “na nossa”. A literalidade impera.
É preciso haver algo em comum para estar cada um na sua. Clichê esquecido ou desaprendido. Se acaso sistêmico ou prática impulsionada, um dia talvez não saberemos. Bom senso de comercial sumido da televisão.
Consequência? Por baixo, danosa falta de coesão. Por tudo. Desconfortável percepção, continuamente escamoteada. Como? Via oferecimento e consumo de mais e mais daquilo que é também ingrediente dessa atual e falsa liberdade.
Não, nada de Gerald Thomas. Lazer e entretenimento, e só. Como se não bastasse. Nunca basta. Exauridos de tanta diversão, naufragados nesse dilúvio de conteúdo. É esse o foco, perdido. Educação, o que dizer. Não se vive de ar.
À revelia do todo cotidiano, o enaltecimento das razões individuais. Longe de só no Brasil. Com a imprecisa intenção, diria o conspiratório, de abalroar as bases do pouco que resta de nossa enfraquecida civilidade de novo mundo.
O incentivo e a reafirmação do notoriamente particular são vendidos como se disso dependesse o genuíno futuro de toda a… sociedade. Ah, que palavra. Que desrazão, diria o dramático. Sem alarde, sem coisa alguma em comum.
Viver de acordo com a própria razão não é o mesmo que se considerar sempre com razão. A primazia de uma contraditória (outra vez) razão excludente parece nos conduzir para o rompimento do que nos reúne (ou reunia).
Quase não importa mais se chegamos a isso por ação empreendida ou reação premeditada. A quê? Instabilidade, institucionalmente. Estética… Bem, melhor não. Ética? Algo em comum. Não falso produto de liberdade.
Não era a liberdade de escolha de um cigarro falsamente menos prejudicial o que tínhamos em comum. Era a liberdade de saber que tudo aquilo não era verdade e, não acreditando, fazer de conta que não acreditávamos.
Quando isso muda? Ainda há infraestrutura. Se for preciso canalizar forças para algo concretamente global outra vez, estupidamente bélico, reduziriam-se o cântico da vitimização e o feitiço da intransigência? Não seria preciso.
Em nosso nacional descompasso, eleitos dizem, a sério, que uma parte da nação está a salvar o todo da nação de outra parte da mesma nação. Em discursos, líderes preferem a condenação de vícios ao enaltecer de virtudes.
“Talvez seja só isso. Mas talvez não.” Melhor que não saibamos de Gerald Thomas. “É uma despedida? Sim, talvez.” Gerald Thomas. “E se for a existência terrível existência mesmo, então… adeus.” O não óbvio, livre, ainda avança.
Algo de bastidor
Talvez estejamos mais próximos de Geraldo que de Gerald (o bom é que Gerald Thomas é mesmo ativo na rede social; já há outra publicação).
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Do
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Na série “Sonoras Que Condensam a Vida”
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O Artilheiro Musical
Não pede música, faz
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