Quando terão os governos passado a faltar mais com a verdade?
Por ingênua que seja e soe a pergunta, tais são a impressão e o sentimento. Agora globalmente intensificados, é claro.
Ou seria o contrário, nunca houve tanta verdade propagada por aí?
Apesar do chavão de apontar o excesso informativo em que submergimos, tal infinitude noticiosa e opinativa constitui conjunto de águas ainda pouco navegadas.
De suas desconhecidas profundezas emergindo, com sobressalente vigor, não uma ou duas — mas inúmeras verdades, e conflitantes entre si, pois sem base factual comum.
São afinal interpretações a espumar na superfície desse oceano informacional. Tanto a agitam, que restam os fatos imersos no obtuso vapor da ideologia e da intolerância.
Adquirindo assim a interpretação o estatuto de verdade.
A ponto de não serem mais metafóricos os mares, terras e ares agitados pelas interpretações. A ponto de praticamente não mais se poder navegá-los.
Enquanto acordo não há sobre como mediar o conteúdo lançado às plataformas, enquanto paira à deriva tal responsabilidade (parece que não quer ninguém assumi-la), qual a solução apresentada, em nome de seletiva verdade e de restrito bem comum?
Bloqueios, vetos, exclusões — pura e simplesmente. Sequer nisso encontra-se verdade.
Por esse prisma, a peleja planetária com que ora flertamos simplifica tudo outra vez. Dois lados — e pronto. Opa, mas e a China? Há quem insista em dois lados apenas.
Tão espraiada falta de referência, que ambos Putin e Zelensky (não os verdadeiros antagonistas) buscam inspiração em fatos e falas da Segunda Guerra Mundial.
Um momento: terão passado só os governos a faltar mais com a verdade?
Em esferas governamentais, institucionais (media inclusa), particulares e individuais, o que parece ter havido é uma profunda redução na consideração e no respeito ao outro.
Mesmo e talvez principalmente no que tange à generalidade do outro como existente.
Com isso, transmutamo-nos não para um mundo mais noticioso e razoável, o que a lógica indicaria ser benéfico, mas para um belicoso ambiente noticialesco e opiniático.
Impulsionado, em suas intolerâncias, por ideologias dissimuladas nas motivações que propagam, valendo-se de mal-informados e/ou mal-intencionados indivíduos para tal.
A guerra de verdade, entretanto, é rápida em decantar a essência de cada um, seja indivíduo, instituição ou governo — revelam-se sem alarde mal-ajambrados disfarces.
Era preciso que se chegasse a tanto para o reencontro de alguma razoabilidade? Por supuesto que não, mas é a rota que ora — metafisicamente — se apresenta.
Quase como se as verdadeiras mentiras, advindas de lado a lado do conflito e com seus nefastos e mortíferos efeitos, evidenciassem quão desconexos estávamos da realidade.
E ainda estamos. De novo, era preciso que se chegasse a tanto? Será duro, mais do que hoje verdadeiramente lhe contam, mas será bem-vindo algum reequilíbrio. De verdade.
Algo de bastidor
E as vertiginosas sanções, por quanto tempo se manterão? Entre os poucos que o levaram a sério desde antes do início do conflito, há quem diga que não serão reduzidas enquanto Putin estiver no poder — e mais: que podem ser o novo normal.
L.O.V. Leia Ouça Veja
“How the brutal WWII siege of Leningrad explains Putin's thinking on Ukraine” (Alexander Nazaryan, Yahoo News).
“Zelensky echoes Churchill in historic address to U.K. Parliament” (Axios).
“Facebook allows war posts urging violence against Russian invaders” (Reuters).
“Russian Embassy in US lashes out at Meta for okaying hate speech against Russians” (Tass).
“White House reaches out to Venezuela, a longtime foe, amid Russia crisis” (The Washington Post).
“250 Companies Have Pulled Out of Russia Since Invasion” (The Moscow Times).
“In a world of digital monopolies, laissez-faire enables disproportionate power to be concentrated in a few hands. This fuels oppression, not individual liberty. Is one company’s ability to edit the news for three billion people an indicator of freedom?” (Luigi Zingales, Project Syndicate).
Playlist Condizente — The World Order Mix — 2210
Gotta Find a New World — Al Green
“Where the people understand how to treat one another.”
In the Colors — Ben Harper and The Innocent Criminals
“When your whole world is shaken.”
New Killer Star — David Bowie
“All the corners of the buildings, who but we remember these.”
Zooropa — U2
“And I don't know what's what.”
Na série “Sonoras que Condensam a Vida”
“A regulação e a autorregulação se mostram tão necessárias como a existência do Estado como detentor do monopólio legítimo do uso da violência, e em todo o mundo se debatem legislações, conceitos e formas de atuação.”
Roger Ferreira, jornalista e fundador do Paz na Mídia; meados de fevereiro, por aí
Last but not least
O chato do Português
“Tal esclarecimento é especialmente bom, porquanto aqui se demonstra que o bem de um indivíduo só é um bem verdadeiro quando é um bem comum.”
Liev Tolstói; 1894, por aí (Contos Completos, vol. 3)