A Regulação das Plataformas III
'Virar soldado contra as fake news' | A força de trabalho | Haja árbitros de conteúdo | A lógica do VAR | O clichê do retrovisor | 'Caro Bill Gates' | O que é isso, companheiro?
[Antes.] Atordoados pela percepção de que fomos ultrapassados pelo algoritmo, sugerimos confiar boa parte da tarefa de coibir práticas e ações odiosas e repulsivas ao… algoritmo.
[Antes.] É abordagem analógica e linear para problema digital e exponencial. Imersos numa confusão entre liberdade e responsabilidade, as big techs estariam legitimadas como publishers invertidos, e com a chancela do Estado.
[Sequência.]
Curioso é o escasso apoio público à identificação documental de todo e qualquer novo usuário no momento do ingresso inicial em plataformas e aplicativos. CPF, CNPJ. Sempre, não apenas para impulsionamento de conteúdo. Se a Lei Geral de Proteção de Dados complexifica a exigência, quiçá o Marco Civil da Internet, o debate quase não acontecido sobre o tema poderia indicar, outra vez, a preferência de atores relevantes na Mídia e no Estado pela diligência posterior à anterior. E estendida, como chamamento, aos cidadãos. “Queria convidar vocês a virar soldado contra as fake news.”
Aprovados projetos de lei como o atualmente em tramitação no Congresso, ficaria delegada a corporações transnacionais a responsabilidade editorial sobre um conteúdo cuja origem, se conhecem, não controlam. Estimando que não se deseja uma lista de palavras e expressões proibidas, literalmente e à revelia de qualquer contexto, qual seria a força de trabalho necessária para a moderação não algorítmica (humana, portanto) do que vai publicado, segundo dizem, num decadente Twitter? Com seus 20 ou 40 milhões de contas no país.
Ou nem de todas. Já que praticamente não se faz mais distinção entre redes sociais e aplicativos de “mensageria”, como indicam as menções conjuntas e equivalentes que agora recebem, a quantidade total de contatos nas “comunidades” do WhatsApp poderia ser um parâmetro de acompanhamento. No aparente limite de dois mil, com promessa de expansão para cinco mil, quando um usuário atingisse um tal número de “seguidores”, em qualquer aplicativo ou rede, passaria a ter lá sua atividade humanamente monitorada.
WhatsApp: 150 milhões de usuários no Brasil, 2 bilhões no mundo. Telegram: 40 milhões no Brasil, 700 milhões no mundo. Dados não conclusivos e não atualizados. Outro dito em queda, Facebook: 3 bilhões de usuários mundo afora, mais de 100 milhões deles no Brasil. Escala efetivamente populacional, não de amostragem estatística, que põe em perspectiva números como “756 remoções ou suspensões de perfis em plataformas de redes digitais”.
Problema (dúvida): restaria autorizada a priori a moderação de informações transmitidas via dispositivos telefônicos (ainda que “inteligentes”), modo de comunicação cujo sigilo é descrito como “inviolável” pela Constituição? Algorítmico ou humano, o acesso por terceiros. Nem se considera a alegada criptografia do WhatsApp; coisa que o Telegram, com seus 200 mil usuários permitidos por grupo, ilimitados nos canais, encara de outro jeito: a se considerar que chegou a oferecer US$ 300.000 para quem provasse ser possível acessar mensagens nele criptografadas, pode estar aí uma explicação para a atenção que lhe dedica notável perfil brasileiro.
Monitoramento por monitoramento, em aplicativos ou redes sociais, haja árbitros de conteúdo. Não é afinal a mesma lógica do VAR, a dois ou três lances de acabar com o futebol? Decisões retrocedentes, não concomitantes. Depois, não mais na hora. A aplicação retrógrada (e lenta) da falta de clareza da lei subvertendo a imediata continuidade do fluxo (do tempo) de jogo. E a responsabilidade diluída. Olhando-se para o futuro pelo clichê do retrovisor, vai ficando no passado o Juízo, certo ou errado, tomado em factual coerência interpretativa. Oxalá não seja reversão no presente de liberdade do indivíduo.
[Segue.]
Algo de bastidor
Apesar do risco real, democraticamente, chega a ser bonito de ver: o medinho do pessoal que até há pouco falava em “Paradoxo da Tolerância” agora percebendo, democraticamente, que não dá para chamar o VAR contra as paradoxais medidas que nos obrigam todos, democraticamente, a tolerar.
| Destaques Não Aleatórios |
“Alexandre de Moraes, o censor. Decisão do ministro mandando retirar manifesto do Telegram fere a liberdade de expressão e contraria o próprio projeto de regulação das redes. O debate é e deve continuar a ser livre. Não é de hoje que Alexandre de Moraes manifesta uma compreensão expandida de suas competências e poderes.” | Estadão
“Não há lógica em crer que as mentiras de uma empresa contra um projeto de lei em debate no Congresso representem risco à democracia. Mentiras devem ser combatidas com a verdade, não com decisões da Justiça que carregam o DNA da censura.” | O Globo
“Sempre que leio os argumentos dos que se opõem ao PL das Fake News, torço pela sua aprovação. Quando, porém, leio os argumentos dos defensores do PL, torço pela sua rejeição.” Demétrio Magnoli | Folha
“O sistema é f*#@.” Merval Pereira | O Globo
“Governo recria PowerPoint 1 dia após cassação de Dallagnol.” | Poder360
“Moro se reúne com Moraes horas após cassação de Deltan.” Roseann Kennedy e Julia Lindner | Estadão
“Como Lula bem sabe, a política paga um preço quando se faz gato e sapato do direito. As Forças Armadas foram enquadradas mas não o anseio por uma moderação que exerça a autoridade que o Judiciário perde ao extrapolar seu poder.” Maria Cristina Fernandes | Valor
Do
|
Na série “Sonoras Que Condensam a Vida”
“Na era pré-internet, a massa era tudo. A TV aberta/a cabo é um paradigma pré-internet, por isso está decaindo.”
Bob Lefsetz, “Tucker On Twitter”; início de maio, por aí
A Artilharia Musical
Não pede música, faz
“Se continuar postando, vai ser difícil manter a postura.”
Lauana Prado; Foto Nova
Last but not least
O chato do Português
“Se as big techs já desprezam governos e democracias agora, o que não farão no futuro próximo quando desenvolverem seu mais poderoso instrumento: a inteligência artificial? Por isso, caro Bill Gates, temos de marchar juntos para deter a próxima pandemia, mas com um olhar bem mais além da saúde pública, um olhar para o processo mesmo que criou a sua e outras grandes fortunas.”
Fernando Gabeira, mas o que é isso, companheiro?; meados de maio, por aí