Algo em que Don’t Look Up acerta é a maneira como retrata nosso atual e generalizado desacreditar, tudo e todos. Mesmo quando eventualmente acreditamos, é como se não fosse nunca conosco — nada mais é responsabilidade nossa.
Até porque, do contrário, seríamos hoje os únicos a tomar como particular (pessoal) uma questão geral (coletiva). O resultado? Taxados de loucos, de exagerados, de intransigentes, mesmo de anacrônicos, restaríamos lindamente desacreditados.
Como bem acontece com a bela personagem que olha para cima, dispara a descoberta do problema e logo busca, veja-se que inacreditável ação destemperada, avisar a todos — para que algo, mesmo que inútil, seja feito.
Isso, claro, considerando-se uma noção desaparecida de verdade, aquela coisa sólida e conjunta que costumava valer para quem quer que fosse, independentemente de quem fosse e do que quisesse. Não parece mais haver, contudo, questões assim gerais, coletivas.
A impressão é de só ter restado aquilo que é exclusivamente particular, pessoal — sem vínculo ou atrelamento a qualquer parâmetro que se sobreponha a um puro e pleno interesse individual. Onde encontrar actualmente alguma manifestação de pensamento realmente partilhado a congregar as pessoas?
Dos partidos políticos aos grupos de WhatsApp, das associações de classe às entidades representativas, dos departamentos das universidades às assembleias de condomínio, o que se observa em tais agrupamentos parece somente ser, pleonasmo, uma aparente coletividade. Mais algum exemplo, Senhor?
“O que aconteceu conosco?” — é essa mais ou menos a pergunta que faz, ao vivo na televisão, depois de uns bons meses batendo na mesma tecla, buscando confiar nas alegadas intenções daqueles aptos a tomar alguma decisão, até perceber a falácia de suas alegações, o professor que primeiro confirma a dimensão do problema.
A não ser que um novo modo de vida em sociedade esteja de fato em gestação, talvez ainda inacessível para a compreensão de todos, ou ao menos para aqueles com dificuldade de enxergar além desta contraditoriamente generalizada reunião de particulares.
Reunião? Sequer mais por simbiótica conveniência. O que conjuntamente nesta época experimentamos tem se mostrado como mera coincidência de tempo e espaço, sem qualquer lastro de interesse genuinamente conjunto, voltado ao verdadeiro bem comum.
Se assim seguirmos, não precisará vir dos céus o impacto que definitivamente nos apartará.
Algo, não obstante, fará-nos antes olhar não para cima, não para baixo, mas ao redor. Fazendo-nos novamente acreditar no possível e, sobretudo, necessário acordo comum acerca do que é, para todos nós, essencial. Ainda fugazes, cintilam por aí lampejos de tal esperado retorno a alguma razoabilidade.
Algo de bastidor
Será pela histórica e dolorosa via da guerra? Há igualmente lampejos. Melhor seria que não.
L.O.V. Leia Ouça Veja
O melhor é a imagem: “Moro fala a podcast patrocinado por serviço de acompanhantes” (Poder360).
Sabor dos tempos: “Has anyone ever thought of the chocolate’s gender anyway?” (RT).
Ao que parece, o silêncio dos citados se mostrou adequado: “Sem investigar, MPF arquiva caso dos empréstimos liberados pela Caixa após pedido de Michelle” (Crusoé).
Playlist Condizente 04 22
Tenha Fé, Pois Amanhã um Lindo Dia Vai Nascer — Os Originais do Samba
“Nem tudo que cai do céu é sagrado.”
Turba Philosophorum — Jorge Ben Jor
“O que está no alto é como o que está embaixo.”
Rocket Man — Elton John
“It's lonely out in space.”
Space Oddity — David Bowie
“Planet Earth is blue, and there's nothing I can do.”
Na série “Sonoras que Condensam a Vida”
“M&M’S promete usar o poder da diversão para incluir todos com o objetivo de aumentar o sentimento de pertencimento para 10 milhões de pessoas em todo o mundo até 2025.”
Mars, a empresa, ao anunciar a “evolução” dos M&M’S (sim, os chocolatinhos coloridos); meados de janeiro, por aí (em tradução online, for sure)
Last but not least
O chato do Português
“Quero convocar todos vocês pra estarem lá juntos comigo.”
Sergio Moro, o pré-candidato, ao anunciar sua participação no Flow Podcast; meados de janeiro, por aí