Destilado 44 21: só na perguntinha, morô
Enquanto (ai, esses trocadilhos) podemos; periga virar slogan
Encanta pelo ardor sincero a fala de Wagner Moura. Esteve no Roda Viva.
Pela lealdade ao que acredita. Pela fidelidade ao que pensa e sente.
Não aparenta levar em si intenção recôndita, desejo disfarçado, intuito dissimulado.
Mostra-se aberto, franco — a ponto de às vezes sequer ter sido, na entrevista, plenamente compreendido.
Fazem-nos falta discursos como o de Wagner Moura. Fazem-nos falta, escusas pelo trocadilho, atores sociais como Wagner Moura — agora, também diretor.
Não é, contudo, daquilo que defende que se fala. É do modo como o faz.
Possibilidade. Necessidade.
Ingenuidade lá, ingenuidade cá?
Difícil saber.
A brasileira mistura — que há muito deixou de ser confusão — entre público e privado parece atingir hoje inéditos níveis.
Ou é inédita a clareza com que se manifesta, desavergonhados de tudo que estamos.
Por contraposição, ouvir Wagner Moura trouxe lembrança de canção antiga, antiga:
“Disciplina é liberdade. Compaixão é fortaleza. Ter bondade é ter coragem.”
Por onde andarão tais versos, tais banais saberes.
Contraposição à contraposição, ouvir Wagner Moura trouxe também lembrança de fala nem tão antiga — e em ultrajados níveis contraposta.
O fugazmente famigerado áudio da reunião ou palestra do banqueiro André Esteves:
“Eu mais ou menos concordo com a visão da sociedade. Para mim, o problema é até menos o Lula e é mais o PT, né? O Lula é meio Macunaíma, meio vilão, meio herói, decidiu, tá aqui, vai contar história legal e todo mundo gostar do cara. O problema é o que vem junto, que é aquela turma ali do PT, que aí já é mais complicado.”
Com o filme que dirigiu, parece que provoca outra vez Wagner Moura catarse em salas de cinema.
Deveria amainar o discurso — e, mais importante, a ação — por aquilo que leva, talvez involuntariamente, consigo?
Ingenuidade lá, ingenuidade cá?
Algo de bastidor
Nos idos de 2017, com uma Operação Lava Jato ainda reputada e com Sergio Moro ainda juiz, eram rotina as reprises dos Tropa de Elite 1 e 2. Eventualmente, quase simultâneas. Formulava-se assim, em ultrapassado Trombohne da época, a conjectura:
“Era já o final do filme, o Capitão Nascimento iniciando a subida do morro para encontrar o traficante. Mais um pouco, com o meliante já rendido e baleado, Nascimento dirá para o recruta que treinava para substituí-lo no Bope: ‘Passa que é teu’. (…) é inevitável perceber como José Padilha foi feliz ao captar, antecipadamente, um componente que transborda no atual humor do país. Vale tudo para pegar bandido. (…) não foram poucos os relatos de salas de cinema em que palmas pipocaram e salves foram brandidos quando o Capitão Nascimento, já em cargo de confiança, dá uns sopapos em um deputado. Às vezes, pergunto-me se os filmes do Padilha, em vez de retratar, não teriam, em alguma medida, moldado o humor de boa parte (da classe média) da nação. (…) A questão é que, no Brasil, é comum que se entendam as coisas erroneamente. Nossa consciência cívica beira a inexistência. Vale lembrar: como o Capitão Nascimento descobre onde está o Baiano? Através da detenção preventiva de um morador da favela que guardava um suspeito tênis no armário e que, por isso, é levado a depor e, em seguida, a firmar um acordo de delação premiada. Depois de meia dúzia de tabefes, ele tem a cabeça inserida um par de vezes em um saco plástico. Ainda assim, não abre o bico. Vem uma vassoura e, então, a delação premiada. (…) Nesse Brasil que não pede clemência, nem que se preserve qualquer coisa para as exéquias da nação, a não ser o privilégio de grupos isolados, gostaria de saber quem está hoje dizendo ‘Passa que é teu’.”
Não exatamente nesses termos, Wagner Moura foi perguntado a respeito no Roda Viva. Elegantemente, referiu-se à polissemia do trabalho artístico e à trajetória de José Padilha até então para dizer que não fizera um filme “fascista”.
O mais polissêmico disso tudo? Onde está e o que anda hoje fazendo Sergio Moro.
Ou seria justamente (ui) o menos polissêmico disso tudo?
Podemos, ainda podemos.
L.O.V. Leia Ouça Veja
Algum bem-intencionado resolve outra vez dizer que uma pequena parcela da fortuna de um bilionário qualquer resolveria a fome do mundo. A resposta do bilionário, que por acaso é o Elon Musk? “Diga como e eu faço isso agora.” Mais não é preciso.
Playlist Condizente 44 21
Há Tempos — Legião Urbana
“Disciplina é liberdade. Compaixão é fortaleza. Ter bondade é ter coragem.”
Dom de Iludir — Gal Costa
“Não me olhe como se a polícia andasse atrás de mim.”
A Montanha Mágica — Legião Urbana
“O que temos é o que nos resta, e estamos querendo demais.”
In the Air Tonight — Phil Collins
“Well, I was there and I saw what you did.”
Na série “Sonoras que Condensam a Vida”
“Em países com carências como a nossa, vale a pena a gente fazer programas sociais. É o melhor uso de uma pequena parcela do dinheiro. E custa pouco. E não tenham dúvida, o melhor programa social é botar o dinheiro no bolso de quem precisa. De preferência, se for uma mulher, a chefe de família.”
André Esteves, dono do banco de investimentos BTG Pactual
Last but not least…
O chato do Português
“Se a gente puder fazer uma pequena transferência de renda para aqueles que não tiveram o privilégio de terem educação, de terem acesso, eu acho que traz uma enorme paz social para a sociedade. Tem muito ‘Faria Limer’ que ‘Pô, Bolsa Família, que absurdo, coisa de PT.’ Na verdade, não é nada disso.”
André Esteves, dono do banco de investimentos BTG Pactual