Nós vamos conseguir. Já estamos conseguindo. Estamos por um fiapo de civilização. O gritedo vem forte quando a corda arrebenta em algum lugar, mas aí já é sempre tarde. Demais. Será por causa do espelho em que não nos enxergamos?
É simples. Demais. E está em todo lugar. À primeira vista, fica já nítido que o gritedo é sempre direcionado ao outro. E cada vez mais alto, como tem sido possível observar, especialmente ao longo da última década.
“Ah, mas só fazendo o maior gritedo, olha ali como o outro está reagindo.” É ou não é uma fala conhecida? Sim, mas e cadê o espelho? Apesar da resposta óbvia, é uma boa pergunta. E já está respondida. O espelho, claro, é o outro.
Enquanto não conseguirmos olhar para nós mesmos, vai ser isso. Ufa, uma dose de otimismo, uma conjugação futura. “Enquanto não conseguirmos…” Mas a frase era outra — é outra.
Enquanto não conseguimos olhar para nós mesmos, com erro e tudo, só nos resta o outro como responsável único por nossas mazelas — todas.
E somos tão iguais. Mais que parecidos, são tão as mesmas as nossas mazelas. Mas isso tampouco conseguimos ver. Assim como não conseguimos ver que fazemos muito daquilo que duramente condenamos. Apenas com sinal trocado — e nem sempre.
De repente, aparece alguém e diz: veja! Preferimos não ver. Não importa ser um dos nossos.
Mais dolorido que ver isso lá longe, em Brasília, representantes nossos perpetrando legítimas maracutaias — segundo dizem, respaldados pelo regimento —, mais dolorido é ver a disputa por benesses aqui ao lado, assim tão perto.
Benesses talvez também regimentalmente legítimas, mas igualmente a priorizar o benefício particular em detrimento da estabilidade geral. Exemplos por conta da casa. Ah, mas é por uma boa causa, somos bons. É preciso ser muito honesto para se assumir transgressor.
Muito honesto… Não há escala de honestidade. É sim ou não. Olha o espelho aí, gente.
Claro que não é tudo a mesma coisa, é precisamente o que se quer dizer. Não percebemos ou não queremos perceber que nossa mínima infração daqui é distorcido reflexo da máxima infração de lá. E, de novo, isso não tem nada a ver com o belo e criativo traquejo brasileiro.
(Infraestrutura, prevenção, imprensa. Insuficiência, inexistência, desdém. População, nação, instituições. Descaso, achaque, arrogância. Oposto, divergente, diferente. Deboche, desrespeito, intolerância. Perdeu-se alguma coisa?)
Por mais que certa indistinção entre público e privado seja parte da essência nossa, e ainda que isso não justifique nada, parece que alcançamos outro estágio no desconsiderar do impacto coletivo de nossas ações. O resto que se foda.
Frase comumente dita apenas em privado, falam mais alto as ações, e essas são públicas. Não é preciso que apareçam na televisão ou na rede social. Práticas cotidianamente perpetradas em ambientes públicos, para fora de casa, na rua. Os resultados estão aí.
Falando em público, há algumas pessoas publicamente alertando. Não estão sendo ouvidas.
A questão agora é o que vai impedir de arrebentar esse nosso restante fiapo de civilização — e se em conjunto com a realidade, ou somente depois dela nos realinhar a todos. Bem, daria praticamente no mesmo, a realidade encontra os devidos meios para se mostrar presente.
Seria bom retomarmos como nossa, antes disso, a civilização que abandonamos.
Algo de bastidor
Bolsonaro foi preciso no diagnóstico. Não conhecemos mais linguagem figurada. Longe de ser mérito exclusivo dele, muito por mérito dele, a nossa literalidade assusta. Está tudo às claras. O país por um fio, insistimos em fazer de conta que não é conosco.
L.O.V. Leia Ouça Veja
“No terreno da pura especulação, … um interlocutor de gente graúda no Judiciário mencionou um cenário possível: grave perturbação da lei e da ordem às vésperas da eleição, ou seja, no fim de setembro, levando a um pacto para adiar o pleito, com prorrogação geral de mandatos” (César Felício, Valor).
“Adiar eleição e prorrogar mandatos é o sonho dos sem-voto. Está em circulação mais um expediente de magia para tumultuar a eleição. Ainda no nascedouro, nada indica que prospere, mas convém registrar sua existência. Melada a eleição, … prorrogam-se os mandatos” (Elio Gaspari, Folha).
“Perigo de uma ruptura da ordem constitucional por Jair Bolsonaro não está apenas no futuro. O problema situa-se no presente — e está sendo construído com ajuda da oposição” (Estadão).
“A Gol parou de distribuir as revistas da editora Abril em seus voos depois que Flávio Bolsonaro reclamou de uma matéria meia-boca da Veja sobre o perigo de golpe bolsonarista” (O Antagonista).
“Perigo à vista. Em reunião ministerial, militares atacam o TSE e defendem auditoria” (Veja).
“Ministro da Defesa propõe ‘votação paralela’ com cédula de papel para teste no dia da eleição. Proposta foi apresentada durante audiência no Senado sob alegação de que procedimento adicional ampliaria segurança no processo de votação” (Estadão).
“Congresso promulga PEC que aumenta benefícios sociais até dezembro. O texto prevê um aumento de R$ 200 no Auxílio Brasil. A PEC também propõe um auxílio de R$ 1 mil para caminhoneiros, vale-gás de cozinha e reforço ao programa Alimenta Brasil, além de parcelas de R$ 200 para taxistas, financiamento da gratuidade no transporte coletivo de idosos e compensações para os estados que reduzirem a carga tributária dos biocombustíveis. Para tanto, a PEC estabelece um estado de emergência … . O dispositivo foi incluído porque não pode haver concessão de novos benefícios ou distribuição de valores em ano eleitoral, a não ser em casos excepcionais, como o estado de emergência” (Agência Brasil).
“Para aprovar PEC das Bondades, Lira mostra ser o dono do Regimento da Câmara. Presidente da Casa driblou ritos e protocolos e fez mudanças de última hora nos processos de votação” (Correio Braziliense).
“O Conselho Nacional do Ministério Público criou um penduricalho que pode aumentar em até R$ 11 mil o salário dos procuradores da República, por meio de uma ‘recomendação’ do órgão” (Estadão).
“Bolsonaro sanciona lei permitindo a TVs venderem todo seu espaço de programação. A única obrigação mantida é que o controle sobre a publicidade do canal tem de ficar sob comando da concessionária, e não de quem comprar o horário” (O Antagonista).
“O lucro líquido das 10 maiores farmacêuticas cresceu 41% do 1º trimestre de 2020 (início da pandemia) ao 1º trimestre de 2022. Passou de US$ 21,4 bi para US$ 30,2 bi” (Poder360).
“Mostarda desaparece das prateleiras de supermercado na França refletindo conjuntura de guerra” (RFI).
Playlist Condizente — The Subliminar Mix — 2228
Vida Louca Vida — Lobão
“Nosso crime não compensa.”
Waiting For The Miracle — Leonard Cohen
“I haven’t been this happy since the end of World War II.”
Como É Grande O Meu Amor Por Você — Roberto Carlos
“E não há nada pra comparar.”
I Feel Love — Donna Summer
“What you do.”
Na série “Sonoras que Condensam a Vida”
“Cala a boca, cara, porra!”
Roberto Carlos, fora do microfone, a um fã que fazia um gritedo durante um show; meados de julho, por aí
Last but not least
O chato do Português
“Temos pessoas que limpam para nós. Temos pessoas que fazem a nossa comida. Temos pessoas que nos levam ao aeroporto se precisarmos. … Essa é a realidade dos meus filhos, que é a parte difícil de dizer: ‘Gente, não é assim que a realidade realmente é’.”
Tom Brady; meados de julho, por aí