Tom Cruise dispensou o dublê. É pelo menos o que mostra o material de bastidores, divulgado esses dias, do próximo Missão: Impossível. Se não é de todo novidade a intrepidez do astro, a cena divulgada chama atenção.
Nada que já não se tenha, mais ou menos, visto. De motocicleta, o camarada salta de um enevoado penhasco. Na queda, logo a abandonando, abre um paraquedas e pousa sozinho e em segurança lá embaixo.
Camarada… quem? Nas imagens em seis meses antecipadas, a estrela Tom Cruise. No filme a ser lançado, o protagonista Ethan Hunt. É a indistinção entre os dois que suscita dúvida sobre quem se vê ali, de fato, representado.
No dia da gravação, a coisa toda foi repetida uma meia dúzia de vezes. E Tom Cruise o fez aparentando e transmitindo notável tranquilidade, na plenitude da concentração requerida para fazer, com precisão, o que fazia.
Mais apreensiva, a equipe. Com razão, demonstra o muito bem produzido making-of, em face da pilotagem da motocicleta por uma rampa estreita seguida da abertura do paraquedas a uma altura reduzida.
Até a execução, mais de um ano de treino, apurando habilidades do ator. Para evitar, observa alguém da técnica, nem tão calmamente assim, as duas possibilidades em caso de insucesso: ferimentos graves e morte.
Com certeza, como diriam narradores esportivos de hoje, é impressionante. Agora, seria menos se fosse um dublê a realizar a cena? Em termos de ação humana, claro que não. Em termos de dramaticidade audiovisual, talvez sim.
Não pelo fato de não ser Tom Cruise lá a saltar, mas precisamente por ser Tom Cruise lá a saltar — e sabermos disso. Tom Cruise não se tornou um dublê que atua, nem um ator que é dublê. Tornou-se dublê de si mesmo.
(Substitua-se Tom Cruise por um atleta de esportes radicais, como os patrocinados pela Red Bull, e teria-se excepcional peça publicitária na linha “te dá asas” — um tal orçamento poderia ser demais até para a Red Bull.)
É o rosto de Tom Cruise que estará registrado, em todas as suas emoções, no provável principal momento de ação do filme — feito ainda mais singular pela real participação, não de anônimo duplo, mas do conhecido movie star.
Não apenas o rosto e a emoção, a performance toda. Contudo, em vista dos limites físicos atingidos na cena, o que se pode considerar estar sendo ali interpretado? Quem pilota a moto, quem abre o paraquedas?
(Não, não se está a reclamar de que Tom Cruise dispensou o dublê, nem a sugerir um abaixo-assinado online para financiar um protesto, na calçada da fama em Hollywood, organizado pelo sindicato, em defesa da categoria.)
Por mais que o corpo e a mente exigidos sejam de um ator, assim como é dele a vida envolvida (imaginem-se as apólices de seguro), quando exibidos na tela, serão do personagem Ethan Hunt ou da pessoa física Tom Cruise?
Não há dúvida de que grandes astros, em boa medida, ultrapassam seus personagens. Sabemos que Ethan Hunt é Tom Cruise. Isso é parte do negócio. Mas também sabemos que Tom Cruise não é Ethan Hunt.
Extremo por extremo, poderia-se objetar fazendo comparação com momento de atuação dramática em que o limite alcançado, emprestando o corpo e a mente de um ator, não envolve concreto e imediato risco de dano físico fatal.
A diferença, se há, é que em casos assim é precisamente a capacidade de interpretação que vem à tona na performance, ao trazer, para o agora da representação, emoções não provocadas por eventos externos e presentes.
Ainda que as possa evocar, não se espera ou exige do ator que manifeste em cena a emoção experimentada, tempo atual ou não, em vida. “Chega a fingir que é dor, a dor que deveras sente…”, diz o poeta, não na rede social.
(Não obstante, por ser mais subjetivo, parece algo mais complexo estimar o possível dano mental à pessoa de um ator que estenda ao máximo seus limites físicos ou emocionais. Não é risco desconhecido, tampouco inédito.)
Indistinção entre ficção e realidade? Quem saberá. Tempos em que vivemos, ao inverso do poeta. Personagens, de nós mesmos ou não, em registros audiovisuais, sem autenticidade, de verdadeiras emoções fingidas.
Paradoxalmente, a ausência de dublê na ação protagonizada por Cruise/Hunt a torna tão autêntica que lhe reduz a verossimilhança, desvirtuando a irrealidade de uma cena que não se pretende verdadeira.
Da fronteira entre o ficcional e o documental, uma ruptura na realidade da representação parece emergir: para realmente interpretar Ethan Hunt, Tom Cruise deveria fingir que salta, não saltar de verdade.
A não ser que consiga, saltando, fingir que salta. Se for tão bom ator a ponto de fazê-lo, que continue a saltar, chegando sempre são e salvo lá embaixo, sem sentir e muito menos fingir dor alguma, nem mesmo a que eles não têm.
Algo de bastidor
E nossos dublês de lideranças, apenas dublês, pois em si mesmos não o são? Um agora a substituir o outro. Se menos fingissem e mais sentissem o que fingem sentir, mais verdadeira seria a irreal realidade brasileira.
L.O.V. Leia Ouça Veja
“O que nós chamamos de realeza é, acima de tudo, um estado de alma. E Pelé leva sobre os demais jogadores uma vantagem considerável: a de se sentir rei, da cabeça aos pés” (Nelson Rodrigues, Estadão).
“Pelé me passava a impressão que o gênio e o ser humano eram um só. Não parecia ter o conflito frequente que há nas celebridades, entre o ser humano e a personagem, o criador e a criatura” (Tostão, Folha).
“A jogada espetacular do Pelé era sempre um meio para chegar mais rapidamente ao fim, que era o gol. Se para chegar no gol adversário ele ia reinventando o futebol pelo caminho, melhor para nós” (Luís Fernando Verissimo, Estadão).
“STF regula pedidos de vista e restringe medidas individuais. Mudanças estão escritas em emenda ao regimento interno aprovada em sessão administrativa fechada ao público na primeira quinzena de dezembro” (O Antagonista).
“Emenda regimental altera regras para devolução de pedidos de vista no STF. O voto-vista deverá ser apresentado em até 90 dias. Após esse prazo, os autos estarão automaticamente liberados para julgamento” (STF).
“Certamente essas mudanças no Regimento Interno poderiam — e deveriam — ter vindo antes. Era uma verdadeira fissura antirrepublicana no funcionamento da Corte que um único ministro do STF pudesse impedir, porque assim lhe aprazia, a conclusão de um julgamento, mesmo nos casos em que já havia maioria formada. … Era também uma completa disfuncionalidade que um único ministro pudesse impor, por meio de uma liminar não referendada pelo colegiado, consequências duradouras sobre todo o País” (Estadão).
“Na manhã do dia primeiro. Há o temor de um vazio de poder entre a meia-noite e a posse presidencial e dos ministros. O governo eleito prepara-se para evitar riscos” (Míriam Leitão, O Globo).
“Bolsonaro nomeia comandantes da Marinha e Aeronáutica de Lula. Na ultima quarta-feira [28], Jair Bolsonaro nomeou o general Júlio Cesar de Arruda para comandar interinamente o Exército a partir do dia 30 de dezembro. Arruda também foi o escolhido por Lula para chefiar a Força em seu governo” (Lauro Jardim, O Globo).
“A operação deflagrada pela Polícia Federal nesta quinta-feira (29), por decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, espelha o revanchismo que se percebe na corporação desde a tentativa de invasão à sede do órgão em Brasília. … O sentimento de vingança tem sua razão de ser” (Brenno Grillo, O Bastidor).
“Dois dos três suspeitos de preparar um ataque a bomba em Brasília aparecem em imagens de uma audiência da Comissão de Transparência, Governança, Fiscalização e Controle e Defesa do Consumidor do Senado realizada no dia 30 de novembro” (O Antagonista).
“O PT tem sua própria herança maldita para administrar, além da de Bolsonaro” (César Felício, Valor).
“Autores de artigo com erro reconhecido por jornal foram nomeados para governo Lula. … Nenhum deles admitiu o erro ou mudou de ideia. Trata-se de questão-chave de macroeconomia. Os articulistas diziam que o aumento do déficit público não provoca impactos significativos na dívida” (Carlos Alberto Sardenberg, O Globo).
“Uma das boas consequências do ministério anunciado até aqui é o desmonte da falácia da representatividade como um valor em si. Governo não é filme da Disney nem anúncio da Benetton …” (Eduardo Affonso, O Globo).
“Desenha-se, portanto, um governo radicalmente petista, justamente o contrário daquilo que foi repetidas vezes prometido. A rigor, ninguém pode dizer que está surpreso com tal situação” (Estadão).
“E não custa lembrar que as consequências políticas de um fracasso econômico seriam nefastas” (Arminio Fraga, Folha).
“Não há razões de otimismo com a política econômica de Lula. Mas não é desculpa para enaltecer uma administração que deixou como herança uma casa destelhada” (Elena Landau, Estadão).
“Congresso coloca trava nos R$ 10 bi de emendas de relator que voltaram para Lula. Petista precisará de aval de deputados e senadores caso queira mudar destinação da verba” (Folha).
“A grana vai para RP2, rubrica, no papel, sob gestão dos ministérios, morta a emenda do relator e atendido o Supremo, mas, na prática, a distribuição não poderá ser dirigida pelo governo, senão com o aval do relator. Cumpre-se o estabelecido pelo STF ludibriando o estabelecido pelo STF. … É um esculacho” (Carlos Andreazza, O Globo).
“A aliança Lula/Lira assenta-se sobre uma plataforma comum: a captura dos recursos públicos por grupos de interesse privilegiados. … É coisa antiga” (Demétrio Magnoli, O Globo).
“A dupla Haddad-Mercadante e o Fies. O crédito para estudantes fez fortunas e calotes” (Elio Gaspari, Folha).
Do
Playlist Condizente 2251 — The Original Mix
Samba dos Meses — Jorge Mautner
“Em dezembro, já nem me lembro.”
Você Não Liga — Marisa Monte
“O telefone.”
Sete Desejos — Alceu Valença
“Esse trem que nos transporta.”
Força Estranha — Gal Costa
“Atravessa essa estrada.”
Na série “Sonoras Que Condensam a Vida”
“Eis a razão do crescimento exponencial das igrejas evangélicas: resgate da dignidade humana.”
Frei Betto, em artigo na Folha; final de dezembro, por aí
O Artilheiro Musical
Não pede música, faz
“Sua cegueira fez você me enxergar.”
Tayrone; Dublê
Last but not least
O chato do Português
“Até acho que se o governo for bem, em 2026, ele será candidato de novo. Ele tem consciência disso.”
Frei Betto; em entrevista ao Estadão; final de dezembro, por aí