Irrelevante performance na Copa do Mundo à parte, e se o país estiver mesmo a caminho da tranquilidade? A diplomação do próximo presidente — a uma semana do prazo limite — não só indica como pode colaborar para isso.
Não necessariamente pelo presidente em si, cuja eleição parece ser liga e fermento dos mais variados desgostos, gratuitamente ou não. Mas por representar, a diplomação, a conclusão jurídica do processo eleitoral.
Assim, quem sabe, venham a diminuir as inconformidades institucionais e os inconformados com as instituições. Sim, busca-se estimar o que não se consegue ainda ver: alguma normalidade presente e futura na nação.
Seria uma espécie de lógica de avestruz? Diante do desastre brasileiro, tapar os olhos para o problema e, no escuro, crer em otimista solução. O buraco é porém tão grande que cobre a cabeça, não é preciso nele enfiá-la.
Lógica de avestruz invertida, então. Retirar a cabeça do maquiado buraco nacional e abrir enfim os olhos. Redescobrindo a realidade, lidar com a preponderância de agravantes dos problemas disfarçadas de soluções.
Como esclarece o site do Tribunal Superior Eleitoral, a diplomação, “organizada pela Justiça Eleitoral”, marca também o término dos “prazos de questionamento e de processamento do resultado das eleições”.
“O diploma atesta a vitória nas urnas e formaliza a escolha do candidato mais votado pela maioria dos eleitores, tornando os eleitos aptos a tomar posse. Sem esse documento, eles não podem assumir o cargo.”
Apenas após receberem o referido diploma, portanto, Luiz Inácio Lula da Silva e Geraldo Alckmin estarão habilitados a assumir as novas funções, ou nem tanto, que devem exercer a partir do início de janeiro de 2023.
Formalização, é claro, sujeita a interpretações. Controvérsia pouco lembrada, José Sarney passou imediatamente de vice-presidente empossado a presidente interino sem que tivesse havido a posse do presidente eleito.
Decisão colegiada de nossos líderes políticos à época, e que se mostra sempre como acertada. Um caso de interpretação positiva, voltada ao bem comum, do texto da Constituição (ainda anterior à de 1988).
Leitura sem a qual talvez não chegasse a ocorrer um dos mais belos momentos da história republicana brasileira, protagonizado pelo mesmo homem prestes a ser novamente diplomado presidente do Brasil.
Belo e histórico, porque parecia representar a democrática subversão do infindável e repetitivo roteiro da perene desigualdade nacional, muito antes de incertos fatos fazerem de “descondenado” sinônimo de “Lula”.
Tampouco então se imaginando que o patrimonialismo e a corrupção, em vez de combatidos e reduzidos durante os mandatos de Luiz Inácio, seriam institucionalmente ampliados e a estratégia de governo promovidos.
E antes de tudo isso acontecer para depois desacontecer via Supremo Tribunal Federal — que, se não o descondenou, condenou os processos que o haviam condenado —, dizia Lula em sua primeira diplomação, nos idos de 2002:
“E eu, que durante tantas vezes foi acusado de não ter um diploma superior, ganho, como meu primeiro diploma, o diploma de presidente da República do meu país.”
Na fala embargada, a ilusória consonância com a voz de um tempo anterior à substituição da esperança pela descrença — ou por uma crença segregante em messias e salvadores indignos de serem assim considerados.
Invertida ou não, terá sido já coisa de nosso ilógico avestruz? Mérito também dos sucessores de Luiz Inácio, inclusive desse, Jair Bolsonaro, a insistir num impassível árbitro de vídeo a não lhe atender, o buraco aumentou de lá para cá.
Bicho por bicho, mato sem cachorro? De lado a lado, o único consenso é a democracia sob ataque. Faltando apenas, mero detalhe, que a democracia de um lado seja a mesma que a do outro. Estaria protegida, se uma só?
Com a diplomação, fim do processo eleitoral, talvez não tenhamos mais um alexandrino TSE como guardião da espécie brasileira de república. Restará buraco a salvo no avanço de nossa selva informacional?
Teremos ainda, é verdade, os alexandrinos e intermináveis inquéritos do STF. Se proteção contra a desordem ou dela combustível, é aberto à interpretação. Sem conseguir crer em nada disso, restam do país uns poucos pessimistas.
Desprotegidos os brasileiros, com anormalidades se sucedendo como se normalidades fossem, restou à nação manter seus eleitos na proteção de ambientes fechados e restritos, em cercadinhos e centros culturais.
Algo de bastidor
Quando se desrespeita a essência de um jogo coletivo, fazendo do todo um mero subserviente do protagonismo particular; quando se aceita que a conquista de um grupo seja mera subordinada do destaque individual, pode até dar certo — mas é algo sempre raro, e nunca verdadeiro.
L.O.V. Leia Ouça Veja
“O presidente Jair Bolsonaro quebrou o jejum de 40 dias no cercadinho do Palácio da Alvorada. … fez uma série de declarações dúbias a respeito dos protestos que apoiadores mantêm em frente aos quartéis em várias cidades do país. Não criticou, tampouco pediu a desmobilização” (O Bastidor).
“Diplomação do presidente da República eleito acontece na segunda-feira, … no Plenário do TSE. Na solenidade, Luiz Inácio Lula da Silva e Geraldo Alckmin receberão os diplomas que os habilitam a tomar posse nos cargos de presidente e vice-presidente perante o Congresso Nacional” (TSE).
“A tentativa de golpe no Peru fez com que Lula decidisse adiantar o anúncio de alguns de seus futuros ministros” (O Bastidor).
“Lula não vai para o Alvorada depois da posse. A Polícia Federal vai fazer uma ampla inspeção no local para atestar a segurança da residência oficial do novo presidente da República” (O Antagonista).
“Segurança de Lula é reavaliada depois de protesto em hotel. Avaliação é que manifestantes poderiam ter forçado entrada no prédio” (Poder360).
“Expô-lo e expor-se é de uma irresponsabilidade inominável, mesmo se inconsciente. Um lema talvez útil para estes e os futuros dias: Lula não foi eleito para ser alvo” (Janio de Freitas, Folha).
“PT planeja camping para receber apoiadores na posse” (Poder360).
“Integrantes de movimentos sociais e da equipe de transição relataram que há a expectativa de que o público da posse seja entre 1 milhão e 3 milhões de pessoas” (Bela Megale, O Globo).
“O Poder360 apurou que a cadela Resistência, animal de estimação de Lula e Janja, deverá subir a rampa do Palácio do Planalto com o casal durante a cerimônia de posse” (Poder360).
“PEC da Transição põe Lula numa camisa de força. Aprovação de limite de gastos engessa novo Bolsa Família, além de manter poderes exagerados com Lira” (José Paulo Kupfer, Poder360).
“Julgamento sobre orçamento secreto no STF gera primeiro atrito entre Lira e Lula. Articulações do presidente eleito nos bastidores do STF pela derrubada das emendas de relator irritaram o presidente da Câmara” (CartaCapital).
“Moraes intima ministro do TCU em inquérito que investiga atos antidemocráticos. Augusto Nardes é questionado por declarações que demonstram apoio a manifestações golpistas” (CartaCapital).
“Os militares hoje se dividem entre bolsonaristas e antibolsonaristas. Só o antipetismo os une” (Maria Cristina Fernandes, Valor).
“Carta reservada de Oficiais Superiores da Ativa do Exército pede restabelecimento da legalidade no Brasil” (Flavio Pereira, O Sul).
“Documento circulou de forma apócrifa em grupos de WhatsApp e depois se tornou petição aberta na internet; apesar de pretender ser documento de oficiais da ativa quase todos os signatários são da reserva ou civis” (Estadão).
“Exército avalia reação a militares após carta apócrifa de tom golpista” (Folha).
“Exército rechaça declarações de comentarista da Jovem Pan e diz que ‘militares são apartidários’” (CartaCapital).
“O Exército Brasileiro, por reconhecer a importância dos veículos de comunicação para a esfera pública nacional e para a cidadania, lamenta profundamente especulações que só se prestam para inocular a discórdia e que em nada contribuem para a resolução dos problemas vivenciados em nosso País” (Exército Brasileiro).
“É fato que o Alto-Comando do Exército é bolsonarista, mas não é golpista. Uma definição para o caso dada por um quatro estrelas: ‘Batemos continência para a Constituição’. Não gostam de ter Lula como comandante em chefe” (Merval Pereira, O Globo).
“Os ministros do STF enviaram diversos recados a Jair Bolsonaro e seus aliados mais próximos, todos numa única direção: se quiser contar com a boa vontade da corte depois de deixar o governo, o presidente da República deve parar de insuflar questionamentos sobre o resultado das urnas e atuar para desmobilizar os manifestantes que estão aglomerados nas estradas e nas portas dos quartéis Brasil afora, pedindo intervenção militar” (Malu Gaspar, O Globo).
“Twitter Files, um escândalo mundial. Elon Musk está abrindo a caixa-preta do Twitter e há grandes chances de que o escândalo envolvendo as eleições nos EUA respingue no Brasil” (Claudio Dantas, O Antagonista).
“Twitter Files: Rede social tem ‘lista negra’ de contas. Investigação sobre o funcionamento da plataforma expôs que alcance de tuítes era restringido por escolha arbitrária” (O Antagonista).
“O PSDB acabou reduzido a um pequeno partido no âmbito do denuncismo, agravado pela ambição de João Doria. Perdeu a primazia do antipetismo; Bolsonaro tomou esse lugar. O militar conseguiu trazer à luz a verdadeira ideologia da direita, sem a vergonha que o PSDB carregava por querer viver o ‘glamour da social-democracia’ no mundo. Essa direita camuflada aproveitou a oportunidade criada pela mídia, que carimbou Bolsonaro como antidemocrático. Teve essa chance para justificar a sua adesão à esquerda única e exclusivamente pela ‘defesa intransigente da democracia no país’. Pura balela. Era a desculpa necessária para retornar ao poder. Estamos assistindo aos primeiros movimentos” (Eduardo Cunha, Poder360).
“Em vez de proporcionar mais foco, prioridade, eficiência e qualidade ao gasto público, o bolsonarismo apostou em uma sociedade quase feudal, em que cada um deve lutar pela sobrevivência literalmente com suas próprias armas. Diante dos péssimos resultados que o País colheu, cabe perguntar como Bolsonaro conquistou quase metade dos votos na disputa presidencial, bem como refletir sobre o que isso revela sobre as noções brasileiras de cidadania e coesão social” (Estadão).
“No entanto, quando ando hoje pelo centro de São Paulo, a sensação infelizmente é melancólica. Porque voltou a ser como era no final de 1992: assim como antes, no início da noite as ruas se enchem de moradores que ajeitam as caixas de papelão sobre as quais dormem. Muitos dos bares e restaurantes em torno da Bovespa estão fechados. Entre a Praça da República e a Sala São Paulo, usuários de crack dominam bairros inteiros. Com lixeiras em chamas e moradias ocupadas, as ruas lembram cenários de uma guerra civil” (Alexander Busch, DW Brasil).
“O Brasil está no abismo. O nosso problema essencial é a desqualificação do nosso aparato produtivo e de nossa gente. Nós involuímos gravemente. Viemos de várias décadas em que o projeto do governo, seja tucano, petista ou os que vieram depois, era combinar a distribuição de dinheiro aos pobres com gestos de genuflexão diante dos mercados financeiros na esperança vã de que a confiança traria investimento e crescimento” (Mangabeira Unger, Estadão).
Do | Retuíte keine endorsement, mas pode ser
“Uma pessoa influenciada pela ilogicidade do pós-modernismo e da ‘teoria’ ‘crítica’ falando que refuta alguma coisa, ou seja, que mostra terminantemente falsa pela via da lógica, é de uma ironia deliciosa.” Eli Vieira |
Playlist Condizente 2248 — The Modrić Mix
Back in Bahia — Gilberto Gil
“Gramados campos de lá.”
O Jogador — Edvaldo Santana, Lenine
“Deixa o jogador jogar.”
Decadence Avec Elegance — Lobão e Os Ronaldos
“Nem de salto alto, nem de escada rolante.”
Pra Começar — Marina Lima
“Do velho mundo.”
Na série “Sonoras que Condensam a Vida”
“Sim, eu sou uma mulher.”
Djamila Ribeiro, mestre em filosofia política; início de dezembro, por aí
O Artilheiro Musical
Não pede música, faz
“Mágoa pra todo lado.”
Guilherme & Benuto; Pulei Na Piscina
Last but not least
O chato do Português
“Lula reinaugura a política em Brasília.”
Reinaldo Azevedo, jornalista; início de dezembro, por aí