A desordem informacional é tanta que periga virar desordem — e nada mais. Desordem plena, plena desordem. Sem adjetivos a qualificá-la. Apenas desordem. Desordem, e ponto final.
Enquanto ainda experimentamos, segundo dizem, a graça de uma desordem meramente informacional, cabe reconhecer que se tornou inviável, em alguma medida, quantificá-la.
Não só pelo interminável volume, mas também pela divergência e discrepância entre informações apresentadas. Nada de visões opostas de mesmos fatos, não. O mesmo fato, agora, é outro fato.
Claro, pouco de ‘mero’ há numa tal desordem informacional. Entretanto, à luz de algum desapego pela informação e de qualquer apreço pelos fatos (independentes disso que são), a questão se mostra simples.
Não sendo possível ordenar os fatos, busca-se ordenar a informação sobre os fatos. É verdade, fato e informação não são a mesma coisa (ainda que na Comunicação o pessoal prefira analisar narrativas).
No Brasil e mundo afora, vem pulando de mão em mão essa batata quente informativa. Faz alguns anos. Sem razoável solução à vista, como era de se esperar, a coisa deu uma boa piorada recentemente.
Ah, a internet. As novas mídias. As plataformas. As redes sociais. Diante da ausência de uma definição clara de responsabilidades, Brasil sendo Brasil, onde foi parar o problema? Ora, nas altas cortes da nação.
Na ausência de quem devidamente o faça, nosso judiciário hoje versa sobre Comunicação (alô, pessoal da narrativa). Ainda em junho, o ministro Nunes Marques destacava o caráter ‘disruptivo’ da internet:
‘A internet e particularmente as redes sociais não são um desenvolvimento natural e linear da televisão e do rádio, que possam ser absorvidos por uma interpretação analógica. Muito diferentemente desses, na internet há uma grande liberdade para a produção de conteúdo por qualquer pessoa, a qualquer momento, e em qualquer lugar.’
Manifestação ocorrida no âmbito do STF, assim como a do ministro André Mendonça, que no final de setembro mencionava a ‘liberdade de expressão’ — ponto central do debate em curso no país:
‘No Estado Democrático de Direito, deve ser assegurado aos brasileiros de todos os espectros político-ideológicos o amplo exercício da liberdade de expressão. Assim, o cerceamento a esse livre exercício, sob a modalidade de censura, a qualquer pretexto ou por melhores que sejam as intenções, máxime se tal restrição partir do Poder Judiciário, protetor último dos direito e garantias fundamentais, não encontra guarida na Carta Republicana de 1988.’
Entendimento por entendimento, e com eleições neste mês de outubro, não poderia o TSE se manter alheio a tal comunicacional debate. Na última quinta-feira (13/10), conceituou o ministro Ricardo Lewandowski:
‘Nós estamos diante de um fenômeno absolutamente novo, o fenômeno da desinformação, que vai além da fake news. O cidadão comum, eleitor ordinário, no sentido gramatical da palavra, não está preparado para receber esse tipo de desordem informacional.’
Expressão de surpresa e preocupação em que foi ladeado pela ministra Cármen Lúcia, a considerar, por sua vez, a dita desordem informacional igualmente apta a fraudar direitos assegurados pela Constituição:
‘Uma desordem de informação, gerando uma ilação ou uma conclusão oposta àquela que se tem nos fatos. … O direito à informação é o dever de não desinformar, de não dar uma informação errada, que é uma forma de você não informar, nos termos constitucionalmente assegurados.’
Assegurados termos como a contínua intervenção do ministro Alexandre de Moraes, ampliando a conceituação dos fenômenos midiático-informacionais com que se depara, não em brasileira primazia, a lógica da humanidade:
‘Notícias fraudulentas, ou no popular as fake news, não são primazia só das redes sociais. Elas também existem na mídia tradicional. O que não se pode admitir, assim como manipulação de algumas premissas verdadeiras para se chegar a conclusões falsas, também não se pode admitir mídia tradicional de aluguel. A mídia tradicional que faz uma suposta informação jornalística absolutamente fraudulenta, para permitir que se replique isso.’
Em busca de ordenamento informacional, quantitativo e qualitativo, que fatos mais a admitir. O que advirá do ponto final nessa desordem. Premissas falsas, conclusões verdadeiras? De que modo, legítimo ou não.
Algo de bastidor
Não é preciso bastidor. Tudo às claras, e transmitido pela internet.
L.O.V. Leia Ouça Veja
“Desconfiança endêmica. Para os Três Poderes ou para o Quarto (a mídia) não se trata de reinventar a roda, mas de revigorar as fontes de toda credibilidade: competência e integridade” (Estadão).
“Jair Bolsonaro, como se sabe, instalou no País uma caquistocracia — o governo dos menos qualificados, em grego —, mas uma parcela expressiva dos eleitores, em vez de castigar nas urnas os representantes desse regime destrutivo, premiou alguns de seus melhores espécimes” (Estadão).
“O bicho que saiu das urnas foi bem outro e assustou. Colunistas passaram a última semana debatendo e, alguns, se debatendo sobre o que ocorreu. Entre não reconhecer ou não querer reconhecer o país em que vivemos, a mídia profissional, como veículo de conhecimento, obviamente tem sua parcela de culpa” (José Henrique Mariante, Folha).
“Numa palestra em Londres, Michel Temer afirmou a investidores estrangeiros que as pesquisas haviam influenciado o resultado da eleição de domingo passado. Para Temer, uma parte do eleitorado votou em Lula porque achava que ele venceria no primeiro turno. Fez um voto útil no vencedor. Mas a tendência desse eleitor era a de rever o voto” (Lauro Jardim, O Globo).
“Partido de Lula já prevê derrota em São Paulo, mas acredita que dá para reduzir danos com ampliação da vantagem em Minas e no Nordeste” (Malu Gaspar, O Globo).
“‘Alguém tem que colocar juízo na campanha do Lula’, diz Simone Tebet. Senadora enviou mensagem a apoiadores do ex-presidente afirmando que é preciso ‘tirar o vermelho da rua’ para não assustar eleitores conservadores” (Mônica Bergamo, Folha).
“Militares silenciam sobre fiscalização paralela da votação do 1º turno. TCU analisa ofício para requisitar documentos do Ministério da Defesa” (Folha).
“Militares entregam balanço do 1º turno das eleições a Bolsonaro” (Poder360).
“Bolsonaro segura relatório sobre urnas após militares não encontrarem fraudes” (O Globo).
“O ministro da Defesa, Paulo Sergio Nogueira, prometeu ao presidente Jair Bolsonaro repetir a auditoria da votação no segundo turno” (O Bastidor).
“TSE tira do ar conteúdos jornalísticos, fala em fake news e dá combustível a Bolsonaro. Especialistas se dividem entre risco à liberdade de imprensa e atuação correta contra afirmações falsas” (Folha).
“TSE foi longe demais no combate à desinformação. O inaceitável é confundir o trabalho jornalístico — mesmo ruim — com a desinformação deliberada que em geral emana das campanhas eleitorais” (O Globo).
“O teste de estresse da Justiça Eleitoral. O período eleitoral justifica medidas duras contra abusos da liberdade de expressão, mas, se publicações não forem inequivocamente inverídicas e descontextualizadas, é censura” (Estadão).
“TSE determina retirada de propagandas ofensivas a Bolsonaro e a Lula” (TSE).
“Canal Lulaflix tem 24h para fazer ajustes de identificação e retirar conteúdo” (TSE).
“O TSE deveria censurar quem chama Bolsonaro de genocida? Critérios usados para censura de O Antagonista e Brasil Paralelo serviriam para calar boa parte do colunismo político” (Leandro Narloch, Folha).
“O jornalismo, a não ser quando sabidamente de má fé, ou seja, fora do exercício de sua finalidade, não pode ter como editor um ministro, não pode prestar contas de suas escolhas editoriais a uma Corte, não pode ser constrangido em sua função de fiscalizar e denunciar. Não se pode tudo em nome da democracia, sobremaneira, tornar a democracia um lugar estreito a ponto de sufocar a si própria” (André Marsiglia, Crusoé).
“A Constituição é clara quando diz, em seu Art. 5º, que ‘é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença’. Não há privilégio algum para a imprensa, mesmo porque a tecnologia tornou a todos, virtualmente, emissores de informação” (Fernando Schüler, Veja).
“TSE impede Cade e PF de investigar empresas de pesquisas. Alexandre de Moraes tomou decisão sem ser provocado e disse que investigações pareciam ‘demonstrar a intenção de satisfazer a vontade eleitoral manifestada pelo chefe do Executivo e candidato à reeleição’” (Poder360).
“Moraes interrompe mais um abusivo uso do Estado por Bolsonaro. Ministro suspendeu a determinação de investigação sobre os institutos de pesquisas imposta pelo governo” (Miriam Leitão, O Globo).
“Na prática, o Cade se absteve de fazer o que não deveria fazer” (O Bastidor).
“TSE manda ministro da Justiça explicar inquérito sobre institutos de pesquisa” (O Antagonista).
“Os bolsonaristas usaram a competição por votos para se manifestar. E agora os petistas estão fazendo xixi nas calças. E com os resultados do primeiro turno, vem a vergonha dos intelectuais e jornalistas que choram no ombro do Lula. ‘O que será de nós?’ É humilhante ver essa choradeira” (Luíz Felipe Pondé, Folha).
“Bolsonaro está continuamente moldando atitudes, definindo o enquadramento dos temas, criando expectativas e temores. Isso tudo é muito poderoso, com efeitos sobre toda a sociedade. Bolsonaro não age no campo formal nem no racional. Sua atuação é afetiva, emocional, visceral” (Nicolau da Rocha Cavalcanti, Estadão).
“Não, não se trata de votar no ‘menos pior’ (sob qualquer ponto de vista). Trata-se de fazer qualquer coisa para evitar a vitória de quem se tem mais medo e/ou rancor. Está aí o ‘perdão’ concedido a cada um. … O principal problema do medo e rancor como motivação eleitoral não é apenas a óbvia ‘qualidade’ (ou falta de) da escolha. É a relevância para o que vem depois” (William Waack, Estadão).
“Lula e Bolsonaro transformaram o segundo turno da eleição presidencial em uma longa noite de 28 dias. Até parece que não haverá um Brasil a ser governado com responsabilidade a partir de 1.º de janeiro de 2023” (Estadão).
Playlist Condizente — The Informacional Mix — 2241
Samba Erudito — Chico Buarque
“Ante a força dos fatos.”
Desordem — Titãs
“O que é criar desordem.”
Discussão — Wilson Simonal
“Prevalecer opinião sobre a razão.”
Cedo ou Tarde — Cassiano
“A verdade cedo ou tarde vem.”
Na série “Sonoras que Condensam a Vida”
“Empresário brasileiro é um anarquista invertido. ‘Se hay gobierno soy a favor’. Eles querem são subsídios, controle de mercado, impostos reduzidos...”
Denis Rosenfield, analista político, em entrevista ao Valor; início de outubro, por aí
A Artilheira Musical
Não pede música, faz
“Acho que a nossa comunicação falhou.”
Mari Fernandez; Comunicação Falhou
Last but not least
O chato do Português
“O ser humano é irracional. Racional é o bicho que faz sempre as mesmas coisas.”
Nizan Guanaes, em artigo no Valor; meados de outubro, por aí