Algo mudou no jornalismo. É como se as empresas jornalísticas pudessem agora prescindir dos patrões para a manutenção de suas linhas editoriais. O contraditório desapareceu, o outro lado virou fact-checking. Mais que isso, os espaços de opinião parecem hoje mais uniformes que os de reportagem.
Nada da autocensura que profissionais da área, por falta de convicção, caráter ou dinheiro, certas vezes se impõem — seja qual for a necessidade, imaginando assim atender a imprecisos interesses corporativos, a bissextas determinações patronais (em diversos casos, sendo mais realistas que o rei).
Mas esse policiar é também coisa de outra época, quando havia base conjunta e coletiva de parâmetros a lastrear a sociedade. O velho e bom senso comum, atualmente evadido para destino incerto e não sabido, lugar onde não há rede social, e sem qualquer previsão de retorno à nossa convivência.
A seguir o lema de um decano, pela própria publicação talvez esquecido, o espírito crítico parece ter dado lugar à complacência ociosa; a fiscalização do poder se mostra ultrapassada pela subserviência ideológica; a verdade factual aparenta ter sido substituída pela conveniência cúmplice.
Bem, menos mal que não foi só o jornalismo que mudou. Melhor seria se o jornalismo não tivesse mudado tanto. Jornalismo que resolveu tratar metade da população do país como se indigna de respeito fosse. Que dizer então de tentar compreendê-la, de tentar compreender a evolução toda da nação.
Nunca estiveram velados os vetores da mudança. O abandono do Estado. A promoção de uma cultura excludente. A exacerbação do individualismo. O entretenimento desmesurado. A educação deixada (conduzida?) de um tal modo que não há adjetivos razoáveis para adequadamente descrevê-la.
Abandonada pelo Estado, sem cultura ou dela expurgada, desmerecida a consciência pública, enaltecida a diversão vazia, em face de um educar que nada resolve, a população — deu o seu jeito. Como sói acontecer, diferem entre si as soluções, múltiplas, criativas, brasileiras. Sem juízo de valor.
Com juízo de valor, parte considerável do jornalismo e da intelligentsia não acompanhou esse movimento. Descobrindo-se de repente alheios a qualquer tendência, quanto mais da antecipação ou definição de alguma, parecem se exasperar diante da possível irrelevância — já provada desconexão.
Advenham talvez daí os contorcionismos retóricos, ora abundantes, de quem demonstra procurar argumentos para sustentar desarrazoados juízos. Sem mesura, alinham evidências e estatísticas, esteticamente, até o incontido momento da virada emocional — e que supera qualquer falseada objetividade.
Tomando conterrâneos por estrangeiros, conterrâneos cuja linguagem desconhecem, vão se tornando estrangeiros em terra natal. Ao mesmo tempo causa e sintoma, resta-lhes disponível a segurança do retorno à realidade, terra sempre à vista — desde que não desaparecida por intenções outras.
Como que caídos de paraquedas em ambiente cultural desconhecido, o qual relutam em reconhecer, fazem da estupefação que experimentam o assunto de subvertida matéria jornalística. Pauta de si mesmos, com exíguas exceções a confirmar o desregramento da profissão, travestem o desdém de erudição.
Algo de bastidor
Por inércia ou concordância, desvinculamento em muito partilhado pela pesquisa em Comunicação. Bem ao estilo da área, um tema a ser investigado, quem sabe quando a realidade estiver nos trending topics: A Resistência na Aplicabilidade de Imagens e Narrativas Investigatório-Comunicacionais Contemporâneas à Atualidade do Real. Fora de brincadeira, bom seria se jornalismo e academia (se) voltassem para a rua.
L.O.V. Leia Ouça Veja
“‘Para o eleitor, fascista é aquele que faz as coisas, e genocida é o irmão do Emicida’, ironiza um apoiador de Lula de primeira hora que vive da política. ‘Não adianta fazer assembleia com o pessoal do todes, tem de gastar sola de sapato e falar com o povo’” (Malu Gaspar, O Globo).
“Resultado das urnas deve fazer STF dar um passo atrás” (Malu Gaspar, O Globo).
“Bolsonaro monta sua própria ‘frente ampla pela democracia’” (O Antagonista).
“Os evangélicos além da política. Segmento é mais complexo do que pautas conservadoras e projetos de poder” (Gutierres Fernandes Siqueira, Folha).
“Olhando o resultado do primeiro turno, me pergunto se houve reportagem capaz de explicar a permanência desse apoio tão grande a Bolsonaro a despeito do que ele fez de mais repugnante durante o seu mandato” (Mauricio Stycer, Folha).
“Incapacidade de políticos de dominar meios digitais ajudou a nos levar ao pior. Plataformas mantêm políticos bolsonaristas e suas bases em contato contínuo, mantendo a militância mobilizada” (Pedro Doria, Estadão).
“Alanzoka, Casimiro E Outros Streamers Da Twitch Declaram Voto” (Sabiá).
“Influencers evangélicos aderem a Bolsonaro e criam nova onda contra Lula” (Folha).
“Mentalidade tech e as eleições. Todas as grandes culturas agropecuárias não ficam apenas no trato da terra e dos rebanhos. Elas criam determinadas mentalidades, ainda que a partir das classes dominantes” (Celso Ming, Estadão).
“A eleição mostrou que a tentativa de deificação de Lula pode ter um preço: a reeleição de Jair Bolsonaro” (Elio Gaspari, Folha).
“A discussão política quase toda se afoga no mar de ansiedade quanto ao resultado da eleição presidencial” (Vinicius Torres Freire, Folha).
“O relativo sucesso do bolsonarismo nas urnas nada tem de conservador, é só reacionário. Esquerda e direita republicanas têm o desafio de articular antídotos com mais democracia” (Estadão).
“O eleitor deu a Câmara ao Centrão” (Estadão).
“O PSDB se putrefaz quando a República mais precisa de uma social-democracia responsável. Convém lembrar que o PSDB foi formado por quadros do MDB que consideravam que o partido havia se tornado uma máquina eleitoreira amoral e carcomida a serviço de enclaves paroquiais. Foi exatamente no que se tornou o PSDB — que, entre a derrota e a desonra, escolheu a desonra, e ainda foi estrepitosamente derrotado” (Estadão).
“No mesmo dia em que declarou apoio ao presidente Jair Bolsonaro para o segundo turno, o governador de São Paulo, Rodrigo Garcia, curtiu no Twitter o vídeo em que a deputada Tabata Amaral anuncia apoio a Lula. Por ser tucano, seria de se esperar que Garcia ficasse em cima do muro. No Twitter, porém, ele parece querer ficar dos dois lados ao mesmo tempo” (Crusoé).
“Escrevi uma coluna baseado nas pesquisas de intenção de voto, com que trabalhei durante todo o tempo. Nelas havia a possibilidade de vitória de Lula no primeiro turno. Mas não havia nenhuma indicação de vitória de Jair Bolsonaro” (Fernando Gabeira, O Globo).
“Bolsonaro está perto do fim” (Fernando Gabeira, O Globo).
“Liga da Justiça no Congresso. Sergio Moro, Rosangela Moro e Deltan Dellagnol, um trio no Congresso contra a corrupção” (Xico Graziano, Poder360).
“A humilhação de Moro” (O Bastidor).
“Embaixador sul-coreano canta Raça Negra e Gusttavo Lima em Brasília Em 2021, Lim Ki-mo viralizou nas redes sociais ao cantar ‘Evidências’ em festa da embaixada da Coreia do Sul” (Poder360).
“Ministro Alexandre de Moraes visita sala de totalização dos votos das eleições. O secretário de Tecnologia da Informação do TSE, Julio Valente, que recebeu a comitiva, explicou que o trabalho realizado naquela sala tem como foco a observação e o monitoramento das informações da votação em todo o país” (TSE).
“Talvez tenhamos um problema quando a melhor lição sobre a democracia vem do Neymar. Dos males, o menor. Oxalá aprendamos alguma coisa” (Fernando Schüler, Veja).
“O povo brasileiro tratou de esquecer o evento mais empolgante da sua história, a campanha das Diretas Já. O confronto entre aqueles momentos e os atuais é desolador” (Mino Carta, CartaCapital).
Playlist Condizente — The Estrangeiro em Terra Natal Mix — 2240
Olhos Coloridos — Sandra de Sá
“Eles estão baratinados.”
Quem Não Quer Sou Eu — Seu Jorge
“O que de fato aconteceu.”
Cabeça Vazia — Djavan
“Cada um numa lei.”
O Que Você Quer Saber de Verdade — Marisa Monte
“Atenção para escutar esse movimento.”
Na série “Sonoras que Condensam a Vida”
“Eu fico imaginando o Alexandre de Moraes na minha cadeira. Como é que estaria o Brasil hoje em dia?”
Jair Bolsonaro, em imaginativa entrevista à Veja; início de outubro, por aí
O Artilheiro Musical
Não pede música, faz
“Poderia estar agora no espaço em um módulo lunar, ó que chato.”
Marcos & Belutti; Domingo de Manhã
Last but not least
O chato do Português
“As pessoas que são analfabetas ficaram analfabetas porque esse país nunca teve um governo que se preocupasse com a educação.”
Luiz Inácio Lula da Silva, em educacional discurso; início de outubro, por aí