A caçamba hoje está cheia de coisas brancas. Pedaços grandes de gesso? Um colchão? Não, colchões, mesmo os brancos, não são tão brancos. Um rapaz que empurra um carrinho de supermercado acaba de dar uma olhada dentro da caçamba. Parou bem no canto onde ontem, do lado de dentro, alguém ali pela manhã se recostava. Tinha o boné virado para trás. Era cinza o boné, como a bermuda talvez de outro que também na história apareceu. Já não se o vê mais, a parte da árvore que pende cobre a esquina, ele deve ter já virado. Subir, não subiria, a rua é muito íngreme para chegar lá em cima, há outras subidas menos exigentes. A moça que atrás dele andava, uns cinco metros atrás, devia estar com ele. De alguma forma, por alguma maneira, correspondiam-se. Branco de louça? Seria muita louça. Por baixo, há mais entulho. Cheia dele. Bem, cheio dela.
Com a persiana fechada, só o que se vê é o amplo marfim. Nem tão amplo, assim cá de perto é que se torna quase tudo o que há diante. Bonita é a claridade que transborda pelos lados, ouro amarelado esbranquiçado de tão forte. Dia que amanhece, tão claro que escurece, olhar direto tanta luz não aguenta o olho. Reflexo, fecham-se também as pálpebras, persiana da vista. No escuro de um olho cerrado, o acalento de uma luminosidade acolhedora, aconchego de todas as cores. Que coisa. Em algum lugar disso que inventamos, a explicação para isso de intensidades que passam de um lado a outro. Nem para tudo. Impreciso sentir, sentir que não é preciso ou não deveria precisar. Não precisaria dever. Quem para dizer, quem diria. Ciência humana… que coisa. Tudo duplo, sentido. Complicou, complicado. Nem tudo. Não há caçamba para tal descarte, não adianta esvaziá-la à noite. Com a persiana fechada, não se vê como está ou se ainda... O quê? Sê, ainda. Bem, o olho fechado está aberto, e bem.
Algo de bastidor
Obviedade por obviedade, as platitudes e os chavões de uma época podem revelar bastante dos parâmetros segundo os quais se vive. Ou segundo os quais não se vive, considerando chavões e platitudes caídos em desuso. “A sua liberdade termina onde começa a do outro.” Isso não é mais coisa que se diga.
L.O.V. Leia Ouça Veja
“‘Bolsonaro prepara sua Grande Mentira no Brasil’, alerta The Economist. Revista soa alarme, em nova capa, contra preparativos do presidente para rejeitar o resultado da eleição. Sobre Lula, o editorial diz que ‘ele está longe de ser o candidato ideal, mas está dentro do campo do normal —e é um defensor da democracia. Bolsonaro, por instinto, não é’” (Nelson de Sá, Folha).
“O tradicional jornal britânico The Guardian publicou um editorial no qual afirma que uma vitória ‘clara e absoluta’ de Lula sobre Jair Bolsonaro ‘é o melhor resultado para a democracia brasileira e para o planeta’. O veículo aponta que Bolsonaro demonstrou ser ‘um líder imprudente e incompetente e continua a ser uma ameaça à democracia e ao planeta — incitando aqueles que destroem a Floresta Amazônica’” (CartaCapital).
“A tempestade enfurecida de rancor, de despeito e de ressentimento que as manifestações despertaram junto ao ex-presidente Lula, à sua campanha e à esquerda em geral é o certificado mais instrutivo sobre a vitória que a candidatura de Bolsonaro teve no 7 de Setembro. Não deu para dizer que o público não foi para a rua. O público foi acusado, então, de ir para a rua” (J.R. Guzzo, Estadão).
“Foi um Brasil que se formou enquanto elites culturais de São Paulo e Rio fantasiavam seu país de acordo com a moda intelectual alienada do momento, quando não pura besteira ideológica. Bolsonaro foi o cavalo e catalisador dessa reação. Passou encilhado, o povo montou e vai aos montes para a rua” (Vinicius Torres Freire, Folha).
“A campanha normal acabou. Nela, Jair já perdeu; o que resta para as próximas semanas é a anormalidade” (Celso Rocha de Barros, Folha).
“Bolsonaro está impotente. Em práticas eleitorais legítimas, não tem muito o que fazer” (Janio de Freitas, Folha).
“Não há solução à vista, o jornalismo navega em águas desconhecidas” (José Henrique Mariante, Folha).
“Prestar solidariedade a Vera Magalhães envolve visitar um passado recente” (Milly Lacombe, UOL).
“Quando Vera Magalhães estava no lado escuro da força, por Luis Nassif” (GGN).
“Defender mulher de agressão é imposição moral, diz jornalista que arremessou celular de deputado. Leão Serva afirma ter vergonha dos palavrões que falou e considera que atitudes como a sua devem ser evitadas” (Folha).
“Algo está muito errado com a democracia quando jornalista vira assunto ou, pior, personagem de uma campanha eleitoral” (Vera Magalhães, O Globo).
“É esta a lição chilena. Que nenhum grupo em particular, nenhuma minoria ideológica, deve pretender fixar as regras do jogo em uma sociedade plural” (Fernando Schüler, Veja).
“Favorito, Lula deve respostas sobre a economia” (Carlos Alberto Sardenberg, O Globo).
“Eleição parece estar decidida” (Merval Pereira, O Globo).
“Voto útil não é categoria de pensamento, mas instrumento contra o mal maior” (Reinaldo Azevedo, Folha).
“O voto resignado em Lula no primeiro turno não se confunde com ‘voto útil’ porque nosso repertório conceitual da normalidade política não se aplica a uma eleição existencial” (Conrado Hübner Mendes, Folha).
“O prefeito de Belém disse que a tradicional celebração religiosa Círio de Nazaré ‘é do povo’ e não mais da Igreja Católica. Edmilson Rodrigues (Psol) deu a declaração ao lado de Rosângela Silva, conhecida como Janja, e de Lula” (Poder360).
“Decrescer, uma saída para o planeta em colapso ou uma utopia? Será o crescimento inevitável? Cada vez mais vozes no mundo têm questionado essa ideia” (André Caramuru Aubert, Estadão).
“A política climática é uma ameaça muito maior do que a mudança climática. Está a surgir uma crise financeira global. O bode expiatório fácil é Putin. A decisão da Alemanha de desmantelar seus reactores nucleares antes de ter energia de substituição está em jogo. … Nos EUA, a Califórnia avança, com a bênção do presidente Biden, metas absurdas para carros eléctricos sem ter a mínima ideia de onde virão os minerais e a extração para as baterias” (MishTalk).
Playlist Condizente — The Adiante Mix — 2237
Estou Dez Anos Atrasado — Erasmo Carlos
“Canto parabéns em festa.”
Pagode Russo — Zeca Baleiro
“Naquele vai ou não vai.”
Força Bruta — Jorge Ben Jor, Trio Mocotó
“Cores do amor e da amizade.”
Quero Ser Locomotiva — Jorge Mautner
“Em cima das nuvens, ao lado de Deus.”
Na série “Sonoras que Condensam a Vida”
“O Brasil ficou temporário. Em suspense judicial.”
Joaquim Falcão, jurista, saudando a posse de Rosa Weber na presidência do STF; início de setembro, por aí
O Artilheiro Musical
Não pede música, faz
“Usa essa língua direito.”
João Neto & Frederico; Tudo em Minha Volta
Last but not least
O chato do Português
“Vai pra puta que te pariu, filha da puta.”
Leão Serva, diretor de jornalismo da TV Cultura; meados de setembro, por aí