Uma manhã sem energia elétrica na metrópole. Exceto por um telefone já, já sem bateria, uma manhã sem internet.
De repente, o mundo volta a ser um lugar onde é no concreto da rua que se resolvem as coisas. Concreto e barro.
Cada vez mais, menos barro.
A falta de luz não atrapalha. É iluminada a terra aqui. Claro ou escuro, a ausência de internet não é algo que se enxergue.
A presença também não, como a do frio.
A televisão já não se liga. O rádio é em deslocamento que se ouve. O jornal é quase pelo cachorro que ainda em papel se lê.
Com frio e sem internet, o que fazer?
Duas coisas, se é que de coisas poderiam ser chamadas, que por seus nada invisíveis efeitos é que conhecemos.
O frio é tal que parece diminuir o barulho na rua. De repente, no instante de um sinal fechado, um pleno e deslocado silêncio se ouve.
No ar, sentimento da espécie, a nostalgia de um tempo ultrapassado e de um lugar desconhecido. Dura pouco, fugacidade de nômade metrópole.
Sempre voltada a outro lugar, cidade em perene reforma.
Tão grande assim ficou, que só do alto para ver que nela se perdem o começo e o fim, infinito emaranhado de luzes alaranjadas a esconder onde pousar.
Tão inextricável assim virou, que nem de longe para enxergar o que nela é consciência e continuidade, luz que não se apaga, solo que não se afunda.
Talvez seja a essência a forasteiro inacessível, talvez seja a maioria. Com luz ou sem, o profundo pode bem ser o que está à vista, e há coisas boas.
Como seria se voltasse a energia, mas a internet não voltasse. À medida que a manhã avança, o mundo de volta à rua, às bancas de jornal.
Talvez ao avanço de real boa convivência, talvez desconhecida realmente.

Ainda será na rua que se resolvem as coisas do mundo, barro de concreta existência onde se moldava a vida.
Volta a energia, a internet é a primeira a voltar (antes da televisão também a cabo).
A quase sempre solitária experiência audiovisual. Tela muito pequena para se ver junto, mesmo dentro de casa. Mais simples apontar a ferramenta, não o que dela se faz.
Aproxima quem está longe e afasta quem está perto, disse alguém sobre a rede. Nada invisíveis e nada inofensivos efeitos, e inútil contra o frio.
Verdadeira permanência é a da realidade, energia que a ninguém falta, e real será o choque quando à luz voltar, porque voltada ao futuro e a todos, a rua a nos iluminar.
Algo de bastidor
Como seria se a internet não voltasse. Enganosa revolta, ao invés de condenar, propaga a violência. Referência aproveitada, mas invertida — talvez sem perceber. Parâmetros de retrovisor, sentido do atraso. Parece querida a implosão ou explosão da estrutura que é base e garantia. Decréscimo, não acréscimo. Ingenuidade ou má intenção, vai o contemporâneo a tempo discernir — admirada referência, envolvida. Raivoso discurso, por quem amansado e conduzido. O anterior era mais novo, ainda é; traz mais frescor, mesmo em fúria, e pelo bem comum. Como será se logo não voltar.
L.O.V. Leia Ouça Veja
“Infelizmente, temos de ter consciência de que não são só os russos que gostariam de nos envolver mais profundamente. Não se iluda: o presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, tenta fazer o mesmo desde o começo … . Mas minha impressão é que a equipe de Biden está percorrendo uma corda bamba com Zelenski, muito mais do que fica aparente à primeira vista” (Thomas L. Friedman, Folha).
“O bolsonarismo é um projeto de poder de longo prazo com método e foco. Se isso já não estava claro, agora ganhou um desenho. Em três linhas: o ataque explícito à governança da Petrobras, revelado na assembleia geral de acionistas, a cooptação dos órfãos de Sergio Moro da bancada lavajatista do Senado, que retirou seus nomes da CPI do MEC, e na adesão do União Brasil, mais taludo dos partidos da ex-terceira via, agraciado com a poderosa CCJ da Câmara” (Maria Cristina Fernandes, Valor).
“Contra a tendência de envilecimento do antigo rock (hoje predominantemente conformista e reaça), o thrash metal wakandense do Black Pantera tem o efeito de uma bomba termobárica, um abalo sísmico que parece reavivar o mais agudo som de protesto da linha evolutiva do rock nacional – parece que o grupo pegou o fio desencapado exatamente ali onde os Titãs largaram Cabeça Dinossauro, em 1986” (Jotabê Medeiros, FAROFAFÁ).
“Na semana em que Lula roubou a cena ao se casar com Janja numa suntuosa cerimônia em São Paulo, Jair Bolsonaro tratou de recuperar os holofotes com a visita de Elon Musk … . Para o visionário que quer colonizar Marte, o evento … certamente teve sabor de experimento antropológico. Mas, assim como a colonização marciana e o humanoide com cérebro de Twitter, o projeto para conectar escolas ainda parece ser apenas um projeto. Nenhum documento, nem mesmo um memorando de intenções, foi assinado …” (Claudio Dantas, O Antagonista).
“O ex-presidente George W. Bush deu uma escorregada significativa, criticando ‘a decisão de um homem de lançar uma invasão totalmente injustificada e brutal do Iraque’” (Guardian).
Playlist Condizente — The Anacrônico Mix — 2220
Não Existe Amor em SP — Criolo
“Pra ver Deus.”
Eu Nasci Há Dez Mil Atrás — Raul Seixas
“A cama na varanda.”
Don’t Think Jesus — Morgan Wallen
“Through honky-tonk bars.”
Love Is Bigger Than Anything in Its Way — U2, Beck
“You’ve just begun.”
Na série “Sonoras que Condensam a Vida”
“A cúpula do Itaú Unibanco chegou dividida à disputa presidencial. Preferiria não encarar um embate entre o presidente Jair Bolsonaro e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Mas a falência da terceira via lhes parece deixar sem alternativa. A metade que originou o primeiro nome do maior banco brasileiro tende para o atual presidente. A outra metade, para o ex.”
Maria Cristina Fernandes, jornalista, em artigo no Valor; meados de abril, por aí
Last but not least
O chato do Português
“Nada é menos atraente do que o anacronismo deliberado.”
Robert Armstrong, jornalista, em artigo no Financial Times; final de março, por aí