Daqui a seis meses, com todo um redescoberto mundo a reconhecer, ainda nos perguntaremos se era preciso chegar a tanto. Alheia a dormências de nossa conjunta consciência, resolve a realidade o que for preciso resolver — pela generalidade.
Daqui a seis meses, apesar da brutalidade do que agora se passa, alguém terá dito que precisávamos de alguma reorganização. E o fará através de complexo e elaborado considerar, para em suma dizer que havíamos desencontrado qualquer prumo comum.
Daqui a seis meses, mais do que encontrar elementos venturosos no para-te-quieto global que ora atravessamos, teremos passado a nos perguntar, à boca pequena, revendo a celeridade dos bloqueios, se não ansiávamos por algum recuo.
Daqui a seis meses, saberemos melhor o que fora honesta convicção e o que fora mal-intencionado oportunismo. Menos propensos a uma ideologizada, performática e afetada emocionalidade, poderemos quem sabe emocionarmo-nos um pouco outra vez.
Daqui a seis meses, jovens à beira da meia-idade ignorantes da guerra, que por alguma razão sequer a visualizavam, terão talvez repensado o voluntário experimentar de um dúbio combate estrangeiro — e oxalá encontrado algo por que, pacificamente, lutar.
Daqui a seis meses, as ações de Zelenski serão melhor compreendidas. Também as de Putin. As de Biden (ainda que pouco sejam dele). E saberemos o que terá feito a China de Xi Jinping. A Europa. A Venezuela. Razões, ou falta de, e suas consequências.
Daqui a seis meses, teremos percebido melhor o resultado desse conflito entre uma concepção de mundo do século XX e a ausência de concepção coletiva com que se iniciou o século XXI, duas primeiras décadas em que mais nos interligamos — e desagregamos.
Daqui a seis meses, se os deuses — ortodoxos ou não — assim permitirem, estaremos todos ainda aqui. Ou quase todos, sempre triste e necessária verdade. Que não tenham partido em vão aqueles que partirem, aqueles que já partiram.
Daqui a seis meses, com as bençãos dos céus, das águas e da terra, outros terão chegado, outros estarão a caminho. Que não cheguem em vão, que venham em nome do bem comum, que sejam — ortodoxos ou não — bem recebidos.
Daqui a seis meses, os mares seguirão unidos, envolvendo os continentes e o mundo que vai neles contido. A continuar tudo de cabeça para baixo, ocidente será oriente, leste será oeste — como estarão e quais serão as perspectivas.
Daqui a seis meses, o que será em cima e o que será embaixo para o universo. Para quem de lá olha, absoluta indiferença, total irrelevância — embora de cá saibamos que ainda se expande, mais e mais.
Daqui a seis meses, se aqui estivermos, estarão por terminar o verão no norte e o inverno no sul. Se aqui não estivermos, também. A não ser que sejam de tal (falta de) sorte a inversão e o estrago que nem mais o Sol para nós poderá olhar.
Daqui a seis meses, muitos quererão ter voltado para casa, que tenham todos podido; que haja um lar para os recém-chegados a esse futuro próximo; e que nós que cá já estamos consigamos até lá o planeta levar, e assim também até lá chegar.
Daqui a seis meses, terá a urgência se amainado, e tenhamos deixado de viver e pensar e julgar em épicos ciclos de trinta e seis horas, dentro dos quais instantâneas reputações, momentos históricos e certezas eternas emergem — para logo virar pó.
Daqui a seis meses, de uma perdida coletividade pretérita a uma coletividade futura por encontrar, aquele solo ainda estará lá. Este, e esse sob seus pés, também. O que sobre eles faremos. Com o firmamento, única definitiva fronteira, não a nos separar.
Algo de bastidor
Entretanto, e infelizmente, não bastarão seis meses para o alegado pensamento de supostas análises deixar de ser invadido e mesmo sobreposto por uma beligerante torcida — em várias recentes manifestações públicas, desejo não de fim do confronto, mas de continental escalada da guerra. Qual o interesse, seria a ingênua pergunta.
L.O.V. Leia Ouça Veja
“Brasileiro que foi à Ucrânia lutar na guerra foge às pressas para Polônia; assista” (O Antagonista).
“US volunteers sign up to defend Ukraine” (DW).
“Russia Can Easily Survive, Perhaps Even Thrive, Isolated From the West” (MishTalk).
“South African president blames NATO for Ukraine” (RT).
“Com exceção do povo ucraniano, verdadeira vítima do conflito, os demais são discursos cínicos que, detrás de grandes proposições, ocultam a simples defesa dos interesses pessoais ou nacionais em ambos os lados. Não estamos diante da criação de blocos estanques, que estarão separados por mais de 40 anos” (Rodrigo Stumpf González, Terapia Política).
“The universe is expanding faster than it should be” (National Geographic).
Playlist Condizente — The Tamanduá Mix — 2211
Qualquer Coisa — Caetano Veloso
“Pelo aterro, pelo desterro.”
Formigueiro — Ivan Lins, Tim Maia
“Está todo mundo vendo.”
Straight Cold Player — Lenny Kravitz
“Cold player.”
Crossroads — Cream
“Down to the crossroads.”
Na série “Sonoras que Condensam a Vida”
“Os vínculos históricos e familiares entre os russos e ucranianos, que remontam a um milênio, e a importância estratégica da Ucrânia para a Rússia significam que a associação ucraniana a um bloco militar hostil seria intolerável para qualquer líder em Moscou, não só para Vladimir Putin.”
Archie Brown, professor emérito de Política Internacional; final de janeiro, por aí
Last but not least
O chato do Português
“É que vocês não estão entendendo o que é um caça soltar um míssel em cima da gente. Vocês não estão entendendo. … Eu não imaginava o que era uma guerra. Eu não imaginava.”
Tiago Rossi, brasileiro que foi à Ucrânia combater a Rússia; março, por aí