Foi um clássico de outros tempos a camiseta com a imagem de um gajo, cabeça de Big Mac, levando um Big Mac à boca, acompanhada da frase:
“Você é o que você come.”
Não que não se gostasse de McDonald's no final do milênio anterior, ou que se gostasse menos de McDonald's na derradeira década do século passado.
Mas eram tempos em que se falava ainda em indústria cultural, em imperialismo, essas coisas — coisas antiquadas, não desaparecidas.
Tempos em que fazer propaganda para um produto, fosse qual fosse, era muito distinto de praticamente (mais de um sentido aqui) se tornar o produto.
A bem da verdade, passava-se muito longe disso.
Como Maria Bethânia recentemente fez, em tão imprevista publicidade que parece quase fora de tom — ainda que elegante, deslocada como indevido trocadilho fora de hora e lugar.
Em nada, contudo, semelhante a praticamente (de novo) não se conseguir mais diferenciar o artista do produto, ou identificar o que é o produto e quem é o artista.
Sinal dos tempos atuais? Pode bem ser. E fora de hora e lugar, a bem da verdade, parece estar a própria consideração a respeito.
Fazer-se presente — visível, afinal — talvez supere hoje em significado anacrônicos pudores acerca do encarnar de estampas majoritariamente mercadológicas.
A partir do mote do anúncio com Bethânia, entretanto, permaneça quiçá a incógnita sobre qual reputação artistas não consagrados como ela para si, assim, construirão.
Porque para as grandes corporações (outra expressão de tempos idos), exceto em situações raras e extremas, basta dar um tempinho e lançar a próxima campanha.
Se o infantil e bem pensado “digitau” do Itaú não passou pelo crivo da lógica das caixas de comentários alguns anos atrás, a esquisita “méquizice” do McDonald's parece agora brilhar como molho gorduroso no Brasil.
Vá quem pensar em português a uma hora dessas, mas… que palavra é essa?
Seria uma proparoxítona turbinada? Ou, ao estilo dessa novilíngua em que um acento surge enquanto outro desaparece, seria “méquizice” uma (tchau, hífen) “préproparoxitona”?
Ou com dois, como o Big Mac, acento duplo especial: “préproparoxítona”.
Vá quem pensar em assentar o português, o país, a uma hora dessas.
Algo de bastidor
Curioso é praticamente não aparecer, em três mecanismos de busca diferentes, a imagem do cabra com cabeça de Big Mac a comer um Big Mac. Ah, o algoritmo e a publicidade, um casal sensacional.
L.O.V. Leia Ouça Veja
“O campo minado da disputa de outubro. Oito meses em que tudo pode acontecer” (Maria Cristina Fernandes, Valor Econômico).
Playlist Condizente 05 22
Seu Pensamento — Adriana Calcanhotto
“Por onde andará seu pensamento?”
Tua — Maria Bethânia
“Será que você vai me ouvir?”
My Hometown — Bruce Springsteen
“Take a good look around, this is your hometown”
Rockin' in the Free World — Neil Young
“Keep on rockin' in the free world” (antes que desapareça de vez)
Na série “Sonoras que Condensam a Vida”
“Obra do Metrô desaba e abre cratera na Marginal Tietê.”
São Paulo (sim, a cidade fala); início de 2022, por aí (via g1)
Last but not least
O chato do Português
“Tá todo mundo no Méqui. Cada um com a sua Méquizice. Qual é a sua?”
McDonald's Brasil; início de janeiro, por aí